Passei o dia seguinte pensando na minha última conversa com Lancelot. Trocamos poucos olhares, e nem nos falamos. Ele não tinha me procurado, e eu também não iria procurá-lo. Era uma questão de orgulho estúpida, e eu dizia à mim mesma que deveria resolver assuntos mais urgentes primeiro.
Merlin tinha finalmente encontrado alguma solução para o caso de Morgana: ele não contava o que era de nenhuma forma, apenas dizia que precisaria da minha ajuda. Só nós três sabíamos disso, assim como Morgana pediu. Ela não queria deixar Arthur em pânico, nem alarmar os outros no navio.
E, durante os momentos mais aleatórios do meu dia, eu lembrava de Íris. A cena dela me apontando seu arco era repetida diversas vezes, e em seguida eu lembrava do medo no rosto de Merlin, da horrível sensação de quando minha mão se soltou da dele, a água entrando pelo meu nariz e tudo ficando escuro. E de repente, lembrava daquela voz, de submergir novamente e ficava em uma repetição eterna. Repetição essa tão grande, que eu mal prestava atenção na reunião do Conselho.
- ... atacar depois de amanhã... concorda, Nimue? - Arthur perguntou.
Como concordar com algo que eu nem tinha prestado atenção? No mínimo, confiando muito na pessoa.
- Sim... depois de amanhã... totalmente... - respondi, para que ele não precisasse repetir o mesmo plano pela terceira vez.
Todos olhavam para mim como se esperassem que eu dissesse algo. Eu geralmente não dizia nada no fim dos Conselhos, pelo menos até onde eu lembrava.
- Conselho encerrado? - Arthur sussurrou, tentando não chamar a atenção.
- Conselho encerrado. - disse, e as pessoas finalmente pararam de me encarar.
Passando por um dos corredores, encontrei Esquilo e Lancelot treinando. O menino usava um escudo enorme e tinha dificuldade de mantê-lo alto, mas parecia se sair melhor com o passar do tempo.
- Esse escudo é tão pesado, por que eu tenho que usar ele? - o garoto perguntou.
- É melhor para usar nas guerras, principalmente se você perder a espada. - seu treinador respondeu.
Sorri, vendo a cena. Eu sabia que Lancelot sentia a minha presença, mas no fundo, até gostava disso. E quanto à Esquilo... eu estava muito mais do que feliz por ele ter encontrado algum adulto em quem se inspirar. Sentia um peso enorme fazendo o papel de irmã mais velha que o criava, mas agora eu podia dividi-lo com alguém.
Segui até a sala dos mapas, me encontrando com Pym. Ela tinha participado do Conselho, e pedi que ela me explicasse novamente o plano de Arthur. O planejado era liberar as prisões de Cumber, e junto com quem estava nelas, atacar o acampamento do Rei do Gelo. Era suicida, mas era o melhor plano que tínhamos até o momento.
- Acha que vamos conseguir? - perguntei.
- Precisamos ser otimistas, talvez os deuses tenham dó e nos ajudem. Acho que alguém quer falar com você. - ela disse, olhando em direção à porta.
Pym se retirou e encostei minhas costas na parede, antes mesmo de ver quem queria falar comigo. Foi então que percebi Lancelot vindo na minha direção, em silêncio.
- O que aconteceu com a sua mão? - ele perguntou, percebendo que estava enfaixada. Havia amarrado um tecido em volta para cobrir a marca da espada. Todos diziam que a espada era como um veneno, mas só teríamos uma chance na batalha com ela. Era preferível morrer pela espada me consumindo do que morrer por uma flechada ou golpe de espada comum.
- Nada demais. - respondi, um pouco seca.
- Nimue... você pediu para que eu falasse o que eu sinto, e te ver chorando ontem por minha causa foi horrível. Me desculpe.
Pelo menos ele parecia sincero. Senti a mágoa dentro de mim se dissipar, e até sorri, mesmo que não fosse a minha intenção inicial.
- Não se preocupe com isso. - disse, subindo minhas mãos até seus ombros - Fui eu quem invadi seu espaço.
- Pode me perguntar o que quiser. - ele disse, ficando mais próximo.
- Eu também não quero te perder. - sussurrei.
Ele levou suas mãos até meu pescoço, e aproximou seus lábios dos meus, lentamente. Senti o calor subir pelo meu corpo, os arrepios... não me sentia desse jeito há tempos. Seus lábios eram macios, e suas mãos sabiam bem por onde percorrer. Era um beijo calmo, mas cheio de desejo.
Quando finalmente nos separamos, ouvimos três batidas na porta, e logo Merlin entrou apressado, me chamando.
*
Morgana, Merlin e eu subimos as escadas, ouvindo fortes trovoadas, e sentindo um vento gelado passando pelas nossas faces. O inverno já estava chegando. Merlin desenhou um círculo no convés com vários símbolos que eu desconhecia, e Morgana deitou no meio. Ele começou a recitar algumas palavras em uma língua antiga, e uma chuva forte começou, junto com alguns relâmpagos.
- Nimue, caso eu não resista, eu preciso te confessar uma coisa. - ela disse, segurando minha mão.
- Não precisa, você vai ficar bem. Não vai? - perguntei, me virando para Merlin.
- Ter coração mais leve é sempre bom, né? - ele respondeu, sem verdadeiramente responder minha pergunta.
Ela suspirou, passou a mão na testa e finalmente disse, antes de um raio atingi-la:
- Arthur é filho de Uther Pendragon.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Hurricane | Nimulot
FanfictionLancelot, antes um guerreiro dos Paladinos, se junta à Nimue e seus aliados. Mas, será que a ligação de ambos poderá sobreviver à guerra que libertará os feéricos? Atenção: é necessário ter terminado de assistir a série "Cursed - A Lenda do Lago" p...