Capítulo 24

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Assim que seu corpo caiu ao meu lado, percebi que tinha algo de errado. Me levantei, ainda sentindo uma fisgada forte onde havia levado o golpe. Eu conseguia sentir sua respiração, ao menos. Ele estava vivo, mas o pânico começou a se apoderar de mim, considerando o quanto estávamos vulneráveis.

- Lancelot, acorde. - disse, chacoalhando-o levemente.

Dei alguns tapinhas de leve em seu rosto. Nada. As linhas verdes em seu braço tinham sumido, o que me preocupava muito. Tentava fazê-lo acordar, mas ele continuava de olhos fechados, imóvel. Era eu quem tinha feito aquilo com ele? Eu havia sugado a sua energia de alguma forma?

Dezenas de pensamentos pareciam fluir pela minha cabeça naquele momento. Se ele não acordasse, eu me sentiria a pior pessoa do mundo. Viveria com a culpa até o dia que desse a minha expirada final. Ao meu redor, todos os soldados estavam mortos, e todos os meus aliados pareciam ocupados demais para perceber o que acontecia. Foi então que eu gritei do fundo dos meus pulmões o nome da única pessoa que poderia me ajudar.

- Merlin!

*

No navio o tempo parecia escuro, frio, e mesmo sabendo que Lancelot não sentiria, peguei um lençol e o cobri. Não haviam ferimentos pelo seu corpo, mas peguei um pano e limpei todo o sangue em seu rosto. Há tempos atrás, estava fazendo quase a mesma coisa, sem a mínima ideia que aquele dia mudaria minha vida para sempre. Ter seguido uma criança por uma floresta escura e cuidar de um completo desconhecido talvez tenha sido a melhor coisa que eu fiz na vida.

E a pior... pode ter sido não usar a bendita espada. Preferia que eu estivesse nessa posição do que ele. Vê-lo assim doía, e pensar que eu poderia perdê-lo me dilacerava por dentro.

Acariciei seu cabelo longo, seu rosto, seu pescoço. Merlin disse que ele estava vivo, mas que precisava de algum tempo de descanso. Não tínhamos ideia de quanto tempo isso levaria, e só tínhamos a certeza que ele precisava acordar logo. Não conseguiríamos manter seu corpo vivo nem com todos os instrumentos que dispúnhamos. A ideia de termos poderes e ainda sofrermos com coisas humanas tão fúteis era totalmente contraditória. Por que diabos os Deuses não haviam pensado nisso quando nos criaram?

Sorri, ao perceber que tinha usado a expressão que ele usava sempre que ficava indignado com algo. E em seguida, chorei novamente sentindo a culpa voltar à tona. Se ele não acordasse, eu nunca me perdoaria. Nunca.

A batalha tinha acontecido de manhã, e já era tarde da noite. Ele nem havia se mexido.

Esquilo entrou no quarto, provavelmente pela sétima vez ao dia. Ele estava tão preocupado quanto eu. Sabia que não era apenas um sono, e ele não queria perder seu melhor amigo. De início, eu provavelmente lhe daria um sermão por ter entrado escondido no navio, mas as circunstâncias eram diferentes agora.

- Ele vai demorar para acordar? - Esquilo perguntou, visivelmente triste.

- Eu não sei. Fique aqui, é melhor do que entrar e sair a cada cinco minutos. - respondi.

Devemos ter ficado horas sentados o observando. Às vezes tentávamos conversar, mas a conversa não fluía. Em certo ponto, Morgana entrou na sala, me chamando para conversar em particular.

- Nimue, eu sinto muito...

Apenas sorri, um pouco incerta do que dizer. Geralmente era eu que dizia o "sinto muito", e não quem o recebia.

- Tudo vai dar certo. Ele é forte, vai voltar por você. - completou.

- De fato. - respondi.

- Arthur convocou o Conselho para decidir o que fazer com o Rei capturado. Talvez você queira ir.

Assenti. Senti todos os olhares na minha direção quando adentrei a sala, além do silêncio desconfortável, rapidamente quebrado por Arthur.

- O que devemos fazer com o Rei? - perguntou.

- Amarre uma pedra em sua perna e o jogue no mar. - disse.

Todos ficaram com expressão de espanto.

- Para onde foi a política de não causar mais mortes? Por que não o tornamos nosso escravo? - uma das mulheres perguntou.

- Não podemos ser bons o tempo todo. Eu não vou tirar a sorte para acabar com uma espada no meu pulmão novamente. - respondi.

- Cumber é traiçoeiro. Passei anos esperando por essa oportunidade. - Guinevere disse, sorrindo orgulhosa.

- Quem está à favor? - Arthur perguntou.

A decisão foi quase unânime: o executaríamos. Era estranho não ter mais o poder de encerrar o Conselho, desde que Arthur tinha se tornado hierarquicamente superior à mim. Apesar disso, mantínhamos uma boa relação. Quer dizer, precisávamos mantê-la por questões políticas e diplomáticas, pelo menos.

Lancelot continuava desacordado, e Esquilo não se encontrava mais no quarto. Ele era jovem, talvez fosse algo ainda mais pesado de se ver. Sentei ao lado da cama, segurei sua mão, e passei mais algumas horas na expectativa de que ele acordasse.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora