No horizonte, em meio à neblina, via barcos cheios de homens de vermelho se aproximando da costa. Chamei a atenção de todos, relembrei o plano rapidamente e cada um seguiu sua posição. Os arqueiros ficavam em uma altura média, tinham uma ótima visão e não eram reconhecidos facilmente entre as árvores. Os escudeiros estavam prontos para formar a linha de frente, com suas lanças e escudos, enquanto os cavaleiros vinham no fundo com suas espadas e machados.
- Podemos usar flechas com chamas? - um dos arqueiros perguntou.
- Já disse que podem, só tentem não incendiar a floresta inteira. - respondi.
Os Paladinos começaram a desembarcar, andando cautelosos entre as árvores. Alguns dos nossos guerreiros estavam escondidos atrás dos troncos, prontos para pegá-los de surpresa, e quando seus companheiros finalmente dessem conta de suas perdas, já estariam sendo confrontados pelos escudeiros.
E até esse ponto, tudo ocorreu bem. Éramos maioria ainda, e mesmo quando a batalha começou a se intensificar, ainda não tínhamos muitos feridos. No entanto, o lado dos nossos inimigos já estava um estrago.
O número de oponentes aumentava, e já precisávamos desviar de algumas flechadas perdidas. Alguns já subiam a colina, fora do planejado, mas dávamos conta. Nos tornamos minoria rapidamente, e a ilha se tornava a cada vez mais vermelha: tanto pelas túnicas que despertavam horror quanto pelo sangue derramado. Via fogo por quase todos os lados, vindo das flechas ou dos poderes de Lancelot. Nunca havia visto seus poderes tão fortes quanto agora, provavelmente pelo efeito da ilha em nós. Eu passaria horas admirando se pudesse, mas não podia desviar minha atenção sequer por um segundo.
Ao fundo, via figuras escuras chegando. Homens da Trindade. Me arrepiei no mesmo momento, lembrando da cena horrível com Íris na semana passada. Percebi que estava completamente sozinha, com os aliados mais próximos já na metade da colina. Do jeito que eram treinados, nem todos os nossos guerreiros conseguiriam derrotá-los pela sua quantidade.
Precisava pensar em alguma coisa, e rápido. Aproveitei a chuva de flechas contra os inimigos à minha frente e me dirigi ao lago que havia ali perto. Mergulhei, sentindo toda a água gelada, clamando pelos Ocultos, clamando pelo vulto que sempre aparecia para me instruir, e tentando me focar no que precisava fazer. Senti a água correndo ao meu redor rapidamente, agressivamente, e olhando para cima vi uma grande onda se formando. Era maior que qualquer pessoa que já tinha visto, e ultrapassava a altura de algumas árvores. Ela se estendeu com violência e com um estrondo enorme, varrendo qualquer pessoa que estivesse pelo seu caminho. Apenas quem estava acima da colina sobreviveria, e era onde eu esperava que todos os aliados continuassem.
Mesmo os pequenos barcos que estavam atracados na costa desapareceram, provavelmente levados pela onda. Me sentia fraca, mas mesmo assim corri o mais rápido que podia ao encontro dos sobreviventes. Alguns estavam aterrorizados, outros tinham admiração no olhar.
Era fato que agora apenas os Paladinos mais corajosos e fiéis estavam de pé. Eram minoria novamente, tinham todos os motivos para desistir, e continuavam de pé. Vi cada um deles sendo derrubado, por minha espada ou por outras. Quando o último na minha visão foi ao chão, era a maior sensação de alívio que eu tinha sentido até então.
- Padre Abel está conosco. - Merlin disse, pegando no meu ombro.
- Me leve até ele. - pedi.
Ele estava amarrado, sem ferimentos, sendo vigiado por várias pessoas ao mesmo tempo. Pedi que o desamarrassem, o colocassem de pé e guardassem suas espadas.
- Agora estamos de igual para igual. - disse.
- Por que não acaba comigo logo? - ele perguntou.
- Porque não quero, e seus fiéis ainda precisam se você. Volte para sua terra, preste atenção no seu próprio povo e não planeje nada contra nós. Conseguimos acabar com a sua capacidade militar de uma vez, e faremos isso de novo se for necessário. Você vai até Camelot sob a proteção de Arthur, e depois partirá de lá para onde quiser.
Selamos o acordo, e todos começaram a comemorar o fim da guerra. Estavam um pouco chocados pela minha decisão, mas mesmo assim cantavam, pulavam, giravam e dançavam. As famílias se abraçavam e os desconhecidos agiam como se já se conhecessem há anos. Enterramos os poucos mortos com muito louvor, depositando várias flores sobre a terra acima deles.
O clima de comemoração se estendeu até o luar, quando nos aprontávamos para finalmente sair de Avalon. Arthur e Guinevere escoltavam Abel por sua própria segurança até o navio, enquanto eu e Merlin ainda estávamos sentados, conversando.
- Você tomou a melhor decisão possível em relação ao Papa, mas o que te motivou?
- Matá-lo seria estupidez. Ele ainda é uma peça importante para todo o mundo. Poupá-lo para todos os outros significa não apenas deixá-lo viver, e sim o reconhecimento da Igreja como igual. Isso deve parar o ataque por algumas dezenas de anos. Além disso, podemos enfrentar um exército médio, mas não os exércitos de mais de nove países.
Ao longe, vi Lancelot conversando com um dos escudeiros. Seus olhos azuis vieram de encontro com os meus, fazendo com que eu sorrisse, um pouco tímida. Ele sorriu de volta, e voltou a prestar atenção no que o homem à sua frente dizia. Anos poderiam ter se passado, mas pequenas coisas entre nós não mudavam.
- Agora vocês finalmente vão poder construir suas vidas juntos.
- Já começamos isso há um certo tempo.
- Eu estava falando mais de você me dar uns netinhos.
- Merlin! - exclamei, caindo na gargalhada.

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Hurricane | Nimulot
FanfictionLancelot, antes um guerreiro dos Paladinos, se junta à Nimue e seus aliados. Mas, será que a ligação de ambos poderá sobreviver à guerra que libertará os feéricos? Atenção: é necessário ter terminado de assistir a série "Cursed - A Lenda do Lago" p...