Capítulo 34

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Estava em frente à lareira, passando mais uma tarde lendo alguns manuscritos e tentando afugentar meus pensamentos melancólicos e estúpidos. Já haviam se passado anos desde que Lancelot havia partido junto com uma parte de mim, e deixado outra, em troca. Os dias se tornavam cada vez mais frios, e nem as cartas me tranquilizavam mais.

A única coisa que restava era fechar meus olhos e imaginar que ele estava perto, por mais que isso não durasse por muito tempo. Felizmente eu tinha mais obrigações, que me obrigavam a pensar em outras coisas, mas em todo o tempo livre que eu tinha, eu sempre pensava nele, em onde e como ele estava.

Ouvi batidas apressadas na porta, joguei o cobertor de lado e fui atender. A cada vez que eu atendia a porta e não o via, parecia que minha esperança em revê-lo diminuía. Era doloroso demais criar expectativas, mas se eu não as criasse, era ainda mais difícil de levar os meus dias.

A tarde era chuvosa e fria, mas isso não fazia mais diferença a partir do momento que abri a porta. Lancelot estava lá, em carne e osso; o abracei com toda a minha força, e ele fez o mesmo. Nos beijamos como se precisássemos daquilo para sobreviver. Sentíamos tanto a falta um do outro que nem sabíamos o que fazer, acabamos nos trombando duas vezes e ficamos rindo.

- Eu senti tanto a sua falta... tenho tantas coisas para contar que mal sei por onde começar. - disse.

- Eu pensei em você o tempo inteiro. Meus melhores dias eram quando eu te via nos meus sonhos... mas eles não chegavam nem perto da realidade. - ele respondeu. - Você está tão linda quanto antes. O que tem feito nesse tempo? Quero saber tudo o que aconteceu.

Era como se eu quisesse dizer milhões de coisas, todas ao mesmo tempo, e não soubesse organiza-las.

- Vamos com calma, pendure a sua capa e venha comigo. Eu preciso te apresentar alguém.

Ele me seguiu até um dos quartos, onde Galahad estava brincando, sentado em um tapete. Ele não tinha nos notado quando entramos, de tão entretido que estava. Lancelot, por sua vez, parecia confuso.

- O nome dele é Galahad. - disse.

- É bonito. Quem são os pais dele?

- Nós. Ele é seu filho, Lancelot.

Sua expressão ficou indecifrável, até um sorriso enorme se formar em seu rosto. Caminhamos até o garoto, que já nos olhava atentamente, e sentamos ao lado dele.

- Galahad... esse é seu pai. Ele finalmente voltou de viagem. - disse.

- Papai! - o garoto exclamou, o abraçando, com um sorriso no rosto.

Galahad tinha olhos azuis, cabelo um pouco mais claro que os nossos, com cachos nas pontas, e um sorriso igual ao do seu pai. Lancelot derrubava lágrimas enquanto o abraçava, que fazia questão de limpar rapidamente. Nunca o tinha visto tão emocionado quanto nesse dia. Poderia contar nos dedos de uma mão todas as vezes que o tinha visto chorar.

- Você vai deixar a gente de novo? - o garoto perguntou, ainda abraçando o seu pai.

- Não, nunca. Do que você estava brincando antes de entrarmos? Pode me ensinar?

Por mais que Lancelot tentasse esconder suas lágrimas, seu rosto ainda estava rosado de tanto chorar. E eu também tentava segurar as minhas, de tantas vezes que tinha sonhado com esse encontro. Passamos o resto da tarde juntos, brincando, rindo, contando histórias ou comendo, parando apenas quando Galahad dormiu.

Seguimos então para o nosso quarto, onde matamos a saudade de outras coisas. Nossos corpos ainda pareciam feitos um para o outro, e conhecíamos cada parte deles. Percebi algumas novas cicatrizes pelo seu corpo, que seriam histórias para outra hora.

- Por que não me contou que teríamos um filho? - ele perguntou, cortando o silêncio que havia ficado entre nós.

- Eu não sabia. Só descobri quando você estava longe demais. - respondi.

- Me desculpe. - ele disse, me puxando para beijar a minha testa. - Deve ter sido difícil fazer tudo sozinha.

- Você não tem ideia. Mas Merlin e Pym me ajudaram no que era possível... eles dizem que Galahad é como a Criança da Promessa.

- É alguma profecia?

- É uma lenda sobre os Sabbats. A Deusa dá a luz à Criança da Promessa, que simboliza o Sol, enquanto o Deus está em outro hemisfério. A Criança da Promessa é como a reencarnação do Deus, que traz luz e esperança para o mundo que vive entre trevas.

- Tenho certeza que ele vai ser um grande líder.

- Ele vai.

Suspirei, me lembrando que Lancelot não estaria aqui para sempre. Talvez ele partisse novamente em uma semana, talvez em um mês. E, caso eu tivesse mais um filho, teria que criá-lo praticamente sozinha novamente.

- O que está errado? - ele perguntou, enrolando uma mecha do meu cabelo entre seus dedos.

- Não precisava mentir para o seu próprio filho. Ele sabe que você não vai ficar por muito tempo.

- Eu vou ficar. Galahad precisa de um pai, você merece um marido presente e nosso povo precisa de um Rei. E eu ainda adoraria ver mais crianças correndo por essa casa.

- É sério?

- Sério.

O abracei e deitei a cabeça em seu ombro, sentindo sua mão passear pela minha cintura.

- Ei... uma das suas últimas cartas foi falando sobre a sua saúde. Está se sentindo melhor?

- Sim, tudo vem ficando menos constante... talvez fosse só o estresse. Amanhã prometo te contar tudo, desde que eu saí daqui.

- Tá bom.

Fechei os olhos, e em pouquíssimo tempo, já estava dormindo. Era a primeira noite, dentre várias, que eu dormia com um sorriso no rosto e sem preocupações.

Ele tinha feito com que eu me sentisse amada e especial de inúmeras formas. Era meu arco-íris duplo, o amor da minha vida. E agora, eu tinha certeza que passaria o resto da minha vida com ele. E esse foi o começo do nosso "felizes para sempre".

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora