Capítulo 17

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Ao passar dos dias, me sentia cada vez mais longe de Lancelot. Durante o dia inteiro, ele parecia pensar em outras coisas. Apenas quando estávamos sozinhos ele me dava um pouco de atenção, e todo o seu isolamento me preocupava cada vez mais. Mesmo quando o via treinando com Esquilo, ele parecia diferente.

Nesse dia, nem tínhamos nos falado. Ele sabia como me encontrar, mas não vinha até mim em momento algum. Mesmo deitada, já com as minhas roupas de dormir e esperando o sono chegar, resolvi ir até ele. Com certeza estaria na biblioteca, obcecado com algo que eu não entendia.

Chegando lá, o encontrei ajoelhado, na frente de um crucifixo. Me ajoelhei ao seu lado, tentando manter reverência ao Deus que ele acreditava.

- Deveria estar dormindo. - ele disse, direto.

- Você também. O que está acontecendo? Por que está tão perto e tão distante de tudo?

Ele suspirou e abaixou a cabeça. Passei minha mão pelas suas costas, esperando que ele olhasse para mim novamente. No entanto, ele continuava cabisbaixo e em silêncio.

- Eu passei minha vida inteira acreditando em uma mentira. Deixei que todos me manipulassem. Quando eu finalmente tenho acesso à todos esses escritos, percebo que eles só tem incoerências. Eu não conseguia mais sentir o Espírito Santo porque ele não existe.

Não tinha ideia do que era tal Espírito Santo, mas eu sentia todo o amargor e indignação na sua voz. Nunca tinha o visto falar com tanto desprezo sobre algo como falava hoje.

- Era bom acreditar que alguém maior que todos nós cuidaria de mim, mesmo tendo ouvido sempre que não era digno de salvação. Mas eu passei todo esse tempo clamando por um sinal, uma presença, que nunca vem. Nem mesmo os seus Deuses parecem me ouvir. É como se eu estivesse caindo por todos esses anos e tivesse chegado ao chão só agora. O que tem de errado comigo, Nimue?

Seus olhos passavam um misto de tristeza e dúvida, que eu não via há tempos. Comecei a acariciar seus cabelos, ainda um pouco incerta do que dizer.

- Não tem nada de errado com você, querido. Você está se conhecendo melhor, e isso é bom, apesar de doer.

- É horrível. Eu não tenho mais respostas ou amparo, só sinto um vazio se espalhando por dentro de mim. Queria que acreditar fosse o suficiente para fazer isso parar, mas não é.

- Só você pode encontrar alguma solução para isso. Precisa encontrar seu novo caminho sozinho... mas eu vou estar do seu lado o tempo inteiro. Não vamos deixar que isso nos separe.

Senti meu coração bater rápido, calor, e uma frase presa na minha garganta. Seus olhos, fixos nos meus, pareciam tirar toda a minha coragem. Poderia ser cedo, mas eu queria que ele soubesse o que eu realmente sentia.

- Eu te amo, Lancelot.

Esperei que ele dissesse o mesmo, em vão. A única coisa que eu recebi foi um sorriso e nossas mãos se entrelaçando. Pelo menos, seu sorriso era genuíno. Talvez ele não estivesse preparado para ouvir, ou só precisasse de mais tempo.

- Durma comigo. Por favor. - ele pediu.

Assenti, e nos deitamos na minha cama. Seu braço pousava na minha cintura, e observávamos o céu pela janela do quarto, que estava completamente estrelado.

- Como você me encontrou no dia em que eu vi a minha mãe? - perguntei.

- Eu acordei e senti que algo estava errado. Quando andei até a janela do corredor, te vi entrando na água.

Sorri, ao lembrar de como ele tinha sido cuidadoso. As chamas fortes, as peles pesadas, e o chá que ele tinha me trazido depois da minha conversa com Merlin. Eu esperava que ele demonstrasse o que sentia através de palavras, mas seus atos valiam muito mais.

- Você não sente uma conexão louca entre nós?

- Uma louca e profunda... desde o dia que você apontou uma espada para o meu pescoço.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora