Tentei esconder a garrafa e me recompor antes que me vissem naquele estado deplorável. Aprendi com o papai, pensei. Me surpreendi ao ver que quem tinha acabado de entrar era o Monge Choroso. Ele veio até mim e sentou-se na minha frente, encostado no outro lado do corredor.
- Como você me encontrou? - perguntei.
- Eu te senti. Queria ver como a rainha estava, se isso não fosse te atrapalhar. - ele respondeu.
Era um verdadeiro cavalheiro. Considerando o quão cansativo meu dia tinha sido, era legal saber que alguém se importava comigo. Ele pensava que eu era ocupada o suficiente para me sentir atrapalhada por alguém que queria saber como eu estava... mas secretamente ele era a pessoa que eu mais gostaria de ver no fim desse dia.
- Não é um dos meus melhores dias... Mas estou tentando permanecer firme. Quer um gole? - perguntei.
Passei a garrafa para ele. Ele tomou um pouco, fazendo uma careta em seguida. Ri, perguntando se ele já tinha bebido antes.
- Eu estava acostumado a beber vinho, mas isso é completamente diferente. - ele respondeu.
- Eu tinha feito exatamente a mesma cara no primeiro gole. Eu não sei como Merlin consegue viver à base disso.
Nos entreolhamos um pouco. Seus olhos... eu adorava observá-los. Era como se eu conseguisse acesso à sua alma fascinante. Eu tinha inúmeras perguntas sobre o homem à minha frente, e esperava um dia conseguir uma resposta para cada uma delas. Desviei o olhar, pensando em como poderia começar a desvendá-lo.
- Qual é o seu nome, de verdade? - perguntei.
- É Lancelot.
Era forte e delicado ao mesmo tempo, além de único. Era um nome perfeito para ele.
- O meu é Nimue. Não precisa mais me chamar de rainha, se não quiser.
E eu bebia aquele rum horrível, na tentativa de aliviar a tensão e afastar os pensamentos relacionados à Arthur de perto de mim. Porém, na prática, isso só servia para deixar meus sentimentos fora de controle. Quando percebi, já estava mentalmente brigando com meus próprios olhos por marejarem tanto.
- Quer conversar sobre alguma coisa? - ele perguntou.
- Eu não quero te arrastar para o meio dos meus problemas. Só me conte uma história sua, você me dá curiosidade.
Ele riu, e perguntou o que eu gostaria de saber. Respondi que poderia ser qualquer coisa que ele se sentisse à vontade para falar, e ele me contou sobre como se juntou aos Paladinos, dizendo que me devia uma explicação.
- Aconteceu quando eu ainda era uma criança. Um dia eu estava sozinho na floresta e vi alguns homens de vermelho. Eles chegaram e me perguntaram onde estavam meus pais, como se quisessem ajudar. Respondi que moravam em uma aldeia por perto, mas eles sabiam que ali por perto estava uma aldeia de feéricos. Disseram que queriam conhecê-los e os levei até cada feérico que eu senti naquela floresta. Eles mataram cada um deles, dizendo que estavam libertando suas almas, e por último, pediram que eu os levasse até a aldeia. E eles queimaram tudo.
Ele parecia extremamente vazio enquanto dizia tudo isso. Me lembrei dele dizendo que já se sentia morto por dentro, o que deixava tudo mais triste. Havia sido acostumado com a ideia de matar outros da sua espécie desde a sua infância. Praticamente foi criado por monstros, e agora deveria se sentir perdido, virando as costas para quem o criou e não sendo aceito pelo seu próprio povo.
- Enquanto eu via a minha aldeia queimar, eu chorava como se não houvessem mais dias, e eles me jogaram em meio ao fogo. Eu senti minha pele queimar, uma dor infernal. Não devo ter passado mais de minutos em meio às chamas, mas que passaram como se fossem horas. Então, uma hora minha pele parou de arder, e eu me levantei e fui em direção aos Paladinos. Eles me olhavam horrorizados. Disseram que eu saí do mesmo jeito que entrei, mas agora tinha lágrimas escuras no meu rosto. Eu me juntei à eles porque não tinha para onde ir, e esse é o fim da história.
Fiquei atônita diante de todas aquelas informações. Do mesmo jeito que eu tinha quase morrido em meio às águas e voltado à terra, ele quase morreu em meio ao fogo e tinha saído bem. Já era muito para processar em um dia normal, e sob o efeito da bebida tornava-se ainda mais difícil. Eram tantas novidades que eu até tinha esquecido dos meus problemas por alguns minutos.
- Eu sinto muito. - disse, segurando sua mão - Juro que vou fazer de tudo que eu puder para te deixar confortável por aqui.
- É lindo como você gosta de ajudar à todos. - ele disse, sorrindo - Mas você tem coisas mais importantes para se preocupar.
Ficamos conversando e bebendo por mais algum tempo. Terminávamos falando várias coisas sem sentido, pulando de um assunto para outro em pouco tempo e rindo de qualquer coisa. Nossa conversa fluía como se já nos conhecêssemos há anos, e essa era a melhor companhia que eu poderia ter tido no fim de um dia tão complicado.

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Hurricane | Nimulot
FanfictionLancelot, antes um guerreiro dos Paladinos, se junta à Nimue e seus aliados. Mas, será que a ligação de ambos poderá sobreviver à guerra que libertará os feéricos? Atenção: é necessário ter terminado de assistir a série "Cursed - A Lenda do Lago" p...