Capítulo 23

119 15 5
                                    

Caminhamos todos em direção ao acampamento, passando pela floresta no maior silêncio possível. Chegando ao local, aguardamos o sinal de Guinevere, que nos permitiu que invadíssemos o acampamento de surpresa.

Arthur tinha a espada em mãos, por ser o único capaz de carregá-la, e deixava um claro rastro de destruição por onde quer que passasse. Me familiarizar com novas armas não tinha sido difícil, e de certa forma, era um alívio não ter que guerrear como se tivesse um ferro quente em mãos. Talvez não fosse a espada que melhorava as minhas técnicas, e sim a confiança que ela me atribuía.

Encurralar o rei tinha sido mais fácil do que pensávamos. Ainda era uma tarefa difícil, mas longe de ser impossível. Escoltá-lo pare o navio seria a pior parte, já que seus soldados o seguiriam para onde quer que fosse. Estavam em maior número, apesar de não serem necessariamente mais habilidosos.

Não era apenas uma disputa por território, e sim uma das nossas únicas chances de sobrevivência. Se não partíssemos para cima primeiro, teríamos apenas desvantagens: o Rei poderia convocar reforços dos Paladinos, tornando o exército maior e mais poderoso, expandir o seu domínio, ordenando que cada feérico encontrado fosse morto, e com certeza não iria parar até conseguir tomar o nosso território, por antes pertencer a Uther, que tinha acordos com ele. Era uma ideia que eu odiava, mas para sobrevivermos, era necessário tirá-los do nosso caminho.

Partimos para cima, e o gramado verde ficava cada vez mais coberto de sangue. Alguns fugiram, e não corremos atrás desses. No entanto, não podíamos poupar os que partiam para cima de nós, que eram a maioria. Ficávamos cercados diversas vezes, mas usando nossos poderes e habilidades conseguíamos nos desvencilhar deles. Cada vez mais corpos iam até o chão, e cada vez nossas roupas e armas ficavam mais sujas de sangue. Gritos de dor ecoavam entre os feridos, que lutavam até seu último suspiro.

Era uma visão repugnante, que eu esperava nunca ver novamente. Estando tomada pela fúria, mal parava para raciocinar o que eu fazia. Tudo acontecia rápido, sem me dar tempo para refletir. Mas aos poucos, haviam cada vez menos soldados inimigos em pé; estávamos finalmente vencendo a batalha.

Percebi então que estava cercada por dois inimigos. Um deles tentou me acertar com um machado, mas desviei e o golpeei com a espada. Me virei para trás e ataquei o outro homem, mas logo senti algo afiado atravessando a minha costela. Em seguida, o ardor horrível, e mal pude segurar um grito. Era inúmeras vezes pior do que a dor de uma flechada, e quando percebi o objeto sendo retirado, senti meu sangue escorrendo rapidamente.

Eu já estava com dificuldades para respirar, e não conseguia me concentrar para usar meus poderes. Sentia um gosto metálico na boca, e deitada no chão, esperava apenas que o homem desferisse seu golpe final. Mas esse homem caiu logo em seguida, depois de ser atacado pelas suas costas. Lancelot retirou a espada ensanguentada, e logo se ajoelhou ao meu lado.

- Nimue, o que aconteceu? - ele perguntou, preocupado. Seus olhos corriam pelo meu corpo, de forma confusa. Ao perceber o que tinha acontecido, olhou nos meus olhos novamente, tentando não chorar. Meu coração se apertou como nunca antes, inconformado em deixar o homem que eu tanto amava nessas circunstâncias.

Uma mancha vermelha se espalhava pelas minhas costelas, em um raio enorme. A cada respiração, uma dor inigualável. Senti lágrimas saindo dos meus olhos, e segurei sua mão, que estava antes apoiada na mancha de sangue.

- Eu não consigo respirar. - disse baixo, com enorme dificuldade.

A dor se alastrava cada vez mais, e minha respiração descompassada ficava cada vez mais fraca. As batidas do meu coração pareciam denunciar que eu estava nos meus momentos finais. Morrendo agora, qual teria sido o meu propósito no mundo? De agora em diante, quem travaria as guerras e cuidaria do meu povo? Quanto tempo eles durariam até serem completamente exterminados? Quem seria o novo líder?

Passei alguns segundos sem respirar, e ainda sentindo uma dor insuportável. Eu só conseguia olhar nos olhos do homem à minha frente. Se eu estava morrendo, pelo menos era junto de alguém que eu amava, e meus últimos segundos, nos braços de alguém que me conhecia tão bem quanto eu mesma. Sentia uma de suas mãos nas minhas costas, e a outra segurando as minhas. Agradeci aos Deuses por terem me permitido esse último contato, mesmo que tenha sido tão rápido.

Minha visão ficou turva, escureceu, e percebi a falta de controle que se alastrava pelo meu corpo inteiro. Mas, estranhamente, ainda me sentia ligada ao homem ajoelhado ao meu lado.

Percebi que o ar voltava a correr pelas minhas narinas. Aos poucos, minha visão se tornava mais clara, apesar de ainda um pouco embaçada. A dor ainda era enorme, mas se tornava cada vez mais suportável. Voltei meu olhar para as minhas mãos, que ainda estavam entrelaçadas com as de Lancelot. Traços verdes as uniam, como se fossem veias. Olhando para seu rosto, percebi seu sorriso entre lágrimas. Sorri de volta, ainda sem entender o que estava acontecendo. Então, seu corpo caiu desacordado ao meu lado.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora