Capítulo 15

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Acordei ainda de madrugada, ouvindo alguém entoar meu nome. Me livrei das cobertas, um pouco hesitante, e caminhei até a janela, que dava visão à um trecho do oceano. O que eu vi me chocou em todos os níveis possíveis: era minha mãe, caminhando sobre as águas, olhando para a minha direção.

Saí do castelo o mais discretamente possível, indo em direção à minha mãe. O tempo estava extremamente frio, mas pensei que seria algo rápido. Parei no trecho de terra antes da água, incerta do que fazer.

- Venha. Eu preciso falar com você. - ela disse, em um tom doce - Confie em mim.

Ela se aproximou, me estendendo a mão. Desci a terra com cuidado, e a segurei. Eu conseguia senti-la! Ela me segurava o tempo todo, caso eu desequilibrasse. Mal conseguia acreditar que aquilo era real, e que estávamos nos reencontrando.

Sua expressão mudou rapidamente, e quando percebi, estávamos debaixo d'água. Não sentia falta de ar, mas estava apavorada com a figura à minha frente, que havia se transformado no mesmo vulto preto que eu vi quando estava quase me afogando, tempos atrás.

- Não desvie o foco da sua missão. A espada deverá ir para as mãos de outro em breve, mas isso não tira as suas responsabilidades. Nós te demos vida, e podemos tirá-la se você não cooperar. - a voz grave e familiar disse.

Imediatamente, senti todo o ar saindo dos meus pulmões. Nadei até a superfície, tentando respirar novamente. Nessa hora, senti todo o frio daquela madrugada, pelo menos três vezes pior por estar molhada. Até me mexer se tornava difícil. Voltei para dentro da água, e senti uma onda forte e agressiva me levar até a terra firme novamente. Meus dentes rangiam, era como se meu corpo inteiro levasse agulhadas, e minhas narinas ainda ardiam de tanta água que eu tinha inalado. Me arrastei, tentando me levantar, mas não tinha forças o suficiente.

Vi de longe alguém correndo em minha direção, com roupas escuras. Pensei ser Morgana, com as suas roupas características. Qualquer um que viesse até mim já seria lucro o suficiente.

Quanto mais a figura se aproximava rapidamente, percebi que não podia ser Morgana: era um homem. E chegando mais perto, percebi ser Lancelot. Senti uma mistura de raiva e ressentimento, devido à nossa última conversa.

Não conseguia ouvir o que ele dizia, de tão confusa que eu estava. Mas percebi que ele me ajudou a levantar, e me deu a sua capa. Me abracei em seu corpo, que estava quente, e adentramos o castelo. Ele me guiou até o meu quarto, onde eu troquei de roupa, e em seguida me levou até a lareira do grande salão.

As chamas se intensificavam rapidamente. Fitava as labaredas, enquanto ele me enrolou com alguns cobertores de pele. Meus olhos ainda ardiam, e minha pele estava extremamente sensível. Me encostei em seu corpo, em busca do seu calor. Não era uma questão de carência ou afeto, era pura sobrevivência... ou era o que eu pensava, pelo menos.

Ele me abraçou delicadamente, como se pudesse me quebrar se me pressionasse demais contra seu corpo. Então, começou a me perguntar porque eu tinha saído tão cedo e entrado no mar. Eu respondia tudo da maneira mais confusa possível, sem raciocinar direito. Basicamente, só me lembrava que estava brava com ele por ter ajudado a encobrir um plano que eu deveria saber. Em poucos minutos já senti minha temperatura voltar ao normal, mas a minha confusão claramente não passava. Em um acesso de loucura, beijei seus lábios, que estavam tão próximos dos meus, e finalmente me senti quente novamente.

- Pensei que ainda estivesse com raiva. - ele disse.

- E eu estou, mas você ainda é o cara mais quente que eu conheço.

Ele riu, e só percebi tempos depois o duplo sentido da frase. Talvez, no fundo, eu quisesse ter dito aquilo mesmo.

Merlin veio até nós, preocupado com o motivo de tanta correria. Percebi Lancelot saindo do salão, enquanto meu pai se sentava ao meu lado.

- Nimue, por que saiu com tanta pouca roupa, de madrugada, e se jogou no mar? O que está acontecendo? - ele perguntou, claramente bravo.

- Eu vi minha mãe em meio às ondas. Eu sinto falta dela. - disse, sem conseguir conter as lágrimas. Sempre que eu me lembrava da minha mãe, era como uma pontada no coração. E hoje eu tinha sido enganada por alguém com o mesmo rosto dela.

- Também sinto falta de Lenore... mas ela se foi, filha. Agora só existem espíritos com o seu rosto.

- Eu podia ter feito algo, poderia tentar lutar contra aquele homem. Eu não consigo entender porque eu não fiz nada.

- Não é como se você estivesse preparada para isso.

Suspirei, repetindo aquela cena na minha cabeça.

- Não estou preparada nem para ser rainha. Você já sabia do plano de envenenar Uther Pendragon?

- Sim. Você precisa entender uma coisa, filha e Rainha. Nenhuma guerra pode ser vencida sem derramar sangue. Aqueles piratas que você matou na invasão ou Uther Pendragon, a morte de ambos tem o mesmo peso, e é horrível. Mas é o nosso único jeito de conquistar a liberdade. Precisa se acostumar com essa ideia, se quiser amadurecer seu reinado. É ótimo ter uma rainha com o coração tão grande quanto o seu, mas às vezes precisamos sacrificar nossos ideais para proteger as pessoas mais importantes ao nosso redor.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora