Hurricane | Nimulot

Capítulo 32

4 anos depois...

Depois do fim da guerra, arrisco a me dizer que tive os melhores anos da minha vida até então. Lancelot, Merlin, Pym, eu e outros feéricos nos mudamos para Benoic, que aos poucos era completamente reconstruída. Merlin tinha sua própria torre, onde passava a maior parte do tempo estudando e praticando seus encantamentos; Pym ficava em uma cabana com seu noivo, parecida com a que ela vivia na aldeia; por fim, eu e Lancelot tínhamos nosso próprio castelo. Não era tão grande, mas nos fazia imensamente felizes.

Ele me ensinava latim, e em troca, eu mostrava tudo o que sabia sobre emplastros. Recebíamos visitas frequentemente, fazíamos festas, e às vezes corríamos como crianças para assistir o pôr do sol. Merlin e ele se aproximaram muito após a guerra, ao ponto que por vezes pareciam irmãos. E sinceramente, era o que eu sempre tinha esperado, desde quando conheci ele; só não sabia como eles se aproximariam, mas tinha essa certeza. Ambos tinham muito em comum.

Era até estranho pensar que anos atrás minha maior preocupação era manter a guarda enquanto estava ao seu lado. E depois, ainda tinha que descobrir como adentrar seu mundo. Tudo isso já tinha passado, e podíamos ficar juntos o tempo que quiséssemos. Ele também tinha se tornado um rei aclamado, o mais generoso que eu conhecia.

Saí do castelo para procurá-lo em meio as árvores. Geralmente era fácil de encontrá-lo, como se estivéssemos ligados por algum fio invisível. Encontrei-o entre algumas árvores, com algo em suas mãos.

- Esqueci como estava cada vez mais difícil de te surpreender.

Ele se virou e me entregou um buquê enorme, com várias flores silvestres. Eram das mais variadas cores, e no centro, estava uma azul, da nossa árvore.

- É perfeito... eu amei! - disse, o abraçando.

*

Lancelot se sentou na beirada da cama, com suas costas nuas, aparentemente tenso com alguma coisa. Me sentei e o abracei por trás, esperando que ele dissesse algo.

- Preciso te contar uma coisa. Já vou adiantar que não é algo que você gostaria de ouvir.

- Vá em frente.

- Você sabe que os melhores guerreiros estão partindo para a Caçada, certo?

- Certo.

Arthur estava com uma doença desconhecida se desenvolvendo, que às vezes o fazia fraco e delirante. Morgana, que não conseguiu quebrar seu feitiço, sempre estava ao seu lado para cuidar dele, mas nem todos os conhecimentos dela e de Merlin eram suficientes para curá-lo. Em uma noite, disse que sonhou com uma taça, a mesma em que Jesus tomou vinho na sua última ceia e teve seu sangue colhido após sua morte. E, para ele, esse Santo Graal estava perto de nós.

Merlin por algum motivo havia acreditado no seu sonho, ao ponto de reunir os melhores guerreiros e soldados para encontrá-lo. O problema é que ninguém sabia onde ele estava, ou se realmente havia existido. A coisa mais concreta que tínhamos era um sonho e algumas lendas, que poderiam não significar nada.

- Arthur e Merlin querem que eu me junte à busca. - ele disse.

- E você recusou, eu acredito.

- Não. Eu preciso ir.

Me afastei, incrédula. Tínhamos demorado anos para finalmente ficarmos juntos em tranquilidade, e conseguiriam convencê-lo a partir do dia para noite por sei lá quanto tempo? Quis acreditar que era uma piada, mas seu tom estava sério demais para isso. E, nos últimos dias, ele parecia mais tenso e distante. Tudo apontava para isso, e eu não conseguia entender o motivo de ele aceitar um devaneio tão fácil.

- Por quê?

- Arthur ainda é hierarquicamente superior à nós, e se ele morresse e o povo tomasse conhecimento, seria péssimo para nós. Percival também vai, e eu não conseguiria deixá-lo ir só.

- Então eu vou com você.

- Você precisa ficar. Precisa proteger o reino e a espada enquanto eu estiver fora e Arthur estiver doente.

Me levantei e caminhei para longe, sem querer aceitar o que estava acontecendo.

- Nimue...

- Por que é tão fácil para você me abandonar e aceitar um delírio que só os desesperados acreditam ser verdade? - disse, em lágrimas.

Ele me abraçou e chorei compulsivamente no seu peito. Por mais que ele tentasse me acalmar, nada funcionava. Era uma mistura de raiva e tristeza, que eu nem conseguia manter para mim mesma.

- É pura diplomacia, eu jamais partiria por vontade própria. Mesmo não gerando um herdeiro, isso vai segurar nosso reinado por um bom tempo. É tudo por você, meu amor. E eu prometo te escrever o tempo inteiro.

- Quando você vai partir?

- Amanhã cedo.

- E você só me avisa um dia antes?

- Eu sabia que a sua reação seria essa, e eu queria que passássemos os últimos dias sem estarmos brigados.

- Faça o que quiser da sua vida. - disse, me livrando dos seus braços.

A pior parte de ter um Rei generoso é vê-lo honrando as suas tarefas um pouco demais. Às vezes, ou na maioria delas, elas sobressaem sua vida pessoal, o que parece ser ainda mais doloroso para quem está em volta. De qualquer forma, tentei esfriar minha cabeça e passar a última noite ao seu lado de forma pacífica. Não é como se eu tivesse conseguido dormir bem, mas pelo menos era mais tempo ao seu lado.

Todos se reuniram pela manhã em frente ao castelo, curiosos em ver a partida do seu Rei. Desde que ele tinha acordado, havíamos trocado poucas palavras. O acompanhei até a porta do castelo, onde ele ficou parado por pouco tempo, discursando para todos que estavam por perto. O povo ficava encantado com a bravura e coragem do Rei, mas eu só conseguia odiar essa ideia de todas as formas.

Ele se pôs na minha frente, alisou minha bochecha e olhou nos meus olhos por um certo tempo, antes de falar alguma coisa.

- Seja forte. O tempo vai passar mais rápido do que você vai perceber.

- Espero que seja verdade.

Ele me beijou, e enxugou uma lágrima que escorria pelo meu rosto. Sussurrou que me amava, e disse que o amava também. Nossas mãos finalmente se soltaram, ele montou em seu cavalo e partiu, olhando uma última vez para trás quando já estava longe.