Capítulo 16

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Com o passar dos dias, Uther se tornava cada vez mais debilitado, e mesmo a magia de Merlin parecia causar um efeito contrário sobre ele. O homem que uma vez era um rei temido, agora estava confinado à uma cama e emitindo apenas alguns grunhidos de concordância ou desaprovação. Me sentia mal por ele, e tentava me confortar lembrando da aliança que ele havia feito com os Paladinos, que certamente colocava nossas vidas em cheque. E, se ele fosse magicamente libertado, provavelmente planejaria sua vingança.

Eu já havia presenciado a morte de perto antes, várias vezes. Minha mãe, por exemplo: eu poderia ter feito algo, usado minha magia, tentado lutar, mas eu não havia pensado em nada disso no momento. Sempre que me lembrava, me sentia culpada. A solução então era não pensar nisso.

Mas com Uther era completamente diferente. Ele precisava de ajuda para fazer as coisas mais básicas, lutava corajosamente pelos seus últimos momentos de vida. Sentia dó e admiração ao mesmo tempo. Não era fácil encarar o homem moribundo quando ele não falava e apenas me encarava. Não sabia mais distinguir se ele sentia raiva, dor, nojo, ou qualquer outra coisa. Apenas sabíamos que a magia de Merlin tinha efeito contrário: o aproximava cada vez mais da sua morte. E, se não fizéssemos nada, ele piorava de qualquer forma.

Eu e Merlin nos reunimos pela última vez ao seu redor. Ele próprio parecia não aguentar mais permanecer nesse mundo. Nesse dia tinha começado a se privar de bebidas e comidas, rejeitando tudo que oferecêssemos. Quando Merlin entrou no quarto, não houveram protestos por parte dele. Ao invés disso, permaneceu em silêncio e fechou os olhos, pronto para a sua expirada final. Segurei uma de suas mãos, esperando que ele não se sentisse sozinho. Era irônico que a pessoa que ele queria capturar fosse a pessoa que mais cuidaria dele em seus últimos dias.

Merlin se desculpava ao lado de Uther, mesmo que não tivéssemos nenhuma resposta. Sua respiração já era tão fraca que não podíamos mais ouvi-la. E, em pouco tempo, nem a sentíamos mais. Ele havia oficialmente partido desse mundo.

- Eu nunca devia ter concordado com esse plano, eu não sei quando pensei que isso daria certo... - Merlin lamentava, entre lágrimas.

Fui até ele e coloquei minha mão em seu ombro. Eu era péssima em consolar pessoas que choravam, mas eu não poderia simplesmente ignorar o que ele dizia.

- Fizemos o necessário, segundo você mesmo. Já não podemos mudar mais nada, mas podemos fazer um velório cristão em sua memória. Tenho certeza que ele apreciaria.

- Ele odiava essas cerimônias. Sempre disse que preferia ser jogado no mar.

- Então, que seja.

Nos reunimos todos de frente ao mar, e assim que os soldados receberam a notícia, se curvaram para Arthur em reverência. O corpo foi colocado em um barco, que seguia em direção ao horizonte. Observávamos aquela cena com os olhos embaçados de lágrimas, sentindo um peso avassalador.

- Ele foi forte mesmo nos últimos minutos. Já deve estar junto aos Deuses em Valhalla. - Guinevere disse.

- Que isso nunca mais aconteça com ninguém. É o que podemos fazer para honrá-lo. - Arthur disse.

O novo Rei de Camelot foi o primeiro a entrar no castelo, e logo foi seguido por todos os outros. Sentou-se no antigo trono de seu pai, e Merlin colocou a coroa em sua cabeça. Sem discursos, sem cerimônias, apenas um profundo silêncio, que foi quebrado apenas quando Arthur começou a falar:

- Eu não tive tempo de conhecer meu pai muito bem. Não sabia mais do que vocês sabiam sobre ele. Mas eu posso afirmar que minhas motivações são diferentes. Meu desejo é unir os povos, não separá-los. E é isso que vocês precisam saber.

Os guardas se ajoelharam, e fizemos o mesmo. Fomos liberados e segui para o pátio, ansiosa para a chegada de outros feéricos que antes estavam no navio. Pym, Enid, Esquilo e outros chegaram com a aparência mais feliz possível, contrastando totalmente com todo o clima pesado daquele lugar.

- Onde está Lancelot? - perguntou Esquilo, depois de me cumprimentar com um abraço caloroso.

- Eu não tenho ideia. Boa sorte em encontrá-lo. - disse.

Lancelot passava os últimos dias distante, pensativo. Sempre que o via, estava lendo pergaminhos e documentos, alguns que eu assumia serem religiosos. Sentia falta da atenção que ele me dava anteriormente, mas agora ele tinha outros entretenimentos, aparentemente. E, de qualquer forma, os últimos dias também tinham sido agitados para todos. Pelo menos, sempre nos encontrávamos no fim do dia... mesmo que ele parecesse estar com a cabeça em outro lugar.

- Passando por maus bocados? - Pym perguntou.

- Põe maus bocados nisso. - disse, e comecei a contar tudo que tinha se sucedido naquela semana.

Hurricane | NimulotOnde histórias criam vida. Descubra agora