Capítulo 2

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Eu havia acabado de secar meu cabelo com o secador da Luísa, quando me olhei no espelho e tive certeza de uma coisa: Ou eu era do litoral, ou estava tirando férias muito, muito longas. Minha pele estava bronzeada, minhas bochechas e meu nariz estavam vermelhos de sol, sol de alguns dias. Mas o cabelo foi minha maior certeza. Era um loiro escuro, mas haviam algumas mechas muito mais claras, e não eram mechas de tintura (Luísa confirmou depois), quando alguém fica muito tempo exposto ao sol, o cabelo tende a "descolorir" algumas mechas naturalmente. Porém isso não era alcançado em um mês de férias. O processo era de no mínimo dois meses. Se meu cabelo era assim, certamente eu tinha uma vida praiana ativa. Era bonita, mas não adiantava de nada se ao me olhar no espelho isso era tudo o que eu conseguia captar. O conteúdo de dentro era mistério, vazio. Tinha uma pequena cicatriz no ombro, nada significativo ou que me remetesse á qualquer memória longínqua. E entrei num pequeno debate mental sobre se meus olhos eram mel esverdeado ou verdes de fato.

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O almoço foi tenso. Principalmente quando finalmente perguntaram meu nome.

- Eu vou explicar pra vocês- Luísa disse quando percebeu que comecei a gaguejar, e contou toda a história, desde o encontro na praia até ali.

- Meu Deus! Mas você não lembra de nada mesmo? Tem certeza?- De repente, a senhora Souza já parecia bastante assustada, talvez pensando na possibilidade de eu ser uma ladra, golpista, ou algo do tipo. Fiz que não com a cabeça e disse que apenas os barulhos haviam ficado vivos na minha mente, mas também não sabia sua origem. Então eles começaram a falar sobre médico, chamar a polícia ou o conselho tutelar pra me ajudar (falaram tudo de uma forma gentil, mas eu sabia que estavam apreensivos), fiquei assustada com a possibilidade de um interrogatório policial, mas não deixei transparecer e concordei com tudo. Não poderia deixar que eles pensassem que eu estava tentando fugir por que tinha um ficha criminal extensa ou algo do tipo. Se bem que eu não lembrava, e se eu de fato tivesse uma ficha criminal extensa? E se afoguei no mar enquanto tentava fugir? Se bem que eu não devia ter 18 anos ainda, não parecia, no máximo uns 17 (eu sei, grande diferença).
Quando o almoço acabou, quis ajudar com a louça, mas Cíntia (nome da Sra. Souza, descobri) não permitiu, ela mesma lavou tudo sozinha. Talvez por medo de que eu jogasse um prato em alguém ou algo do tipo.

- Vou estudar pra um seminário agora, se quiser pode ficar no quarto. Depois que eu terminar a gente pode dar uma volta, pra você conhecer a cidade. - Luísa me confortou

- Ah...eu posso ficar em qualquer lugar, pra não atrapalhar.

- Lá no quarto tenho um quebra-cabeça resolvido pela metade, se quiser pode terminar nesse meio tempo.

Concordei, Em parte porque não tinha nada mais pra fazer, e montar um quebra-cabeça não levantaria nenhuma suspeita sobre a minha suposta vida no crime.
O quarto da Luísa era bonito, as paredes tinham um tom de azul bebê, e sobre a cama haviam plantas penduradas e uma luminária, a escrivaninha/penteadeira ficava ao lado com um espelho redondo repleto de luzinhas. Era um ambiente bastante agradável, emanava calma. Ela apontou pro quebra-cabeça que estava em um canto do chão e eu já tratei de começar.
Os pais da Luísa, apesar do alvoroço, pareciam mais preocupados com ela do que qualquer outra coisa, e eu entendia perfeitamente. Quer dizer, ninguém aqui nunca me viu na vida e nem eu mesma sei dizer quem sou eu, é meio intimidador .
Mas essa linha de pensamento me levou pra outro lugar, pros meus pais. Como será que eles estavam naquele momento? Onde estavam? Registrando boletins de ocorrência? Contratando detetives? Fazendo contato com a imprensa? Ou melhor, será que eu ao menos tinha pais? De qualquer forma, Cíntia disse que o tecido das minhas roupas era muito bom, o que me levava a crer que quaisquer pessoas que fossem responsáveis por mim, cuidavam muito bem. Ou será que eu roubei aquelas roupas? Argh! A ideia de ser uma agente do crime estava me perturbando.
Terminei o resto do quebra cabeça em 15 minutos (um tempo considerado rápido já que eram 125 peças). O desenho eram algumas ostras com pérolas. Aquilo soava familiar...de onde? Não fazia ideia. Fiquei pelo menos 10 minutos tentando me lembrar, mas nada veio. Bom, já que eu muito provavelmente era litorânea, isso não significa muita coisa, considerando em praticamente toda praia podem se encontrar produtos que imitavam pérolas.

Por Água Abaixo Onde histórias criam vida. Descubra agora