Capítulo 3

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A água me cobria por completo. Eu não conseguia abrir os olhos e não tinha força pra nadar até a superfície, sentia minha costas pesadas como chumbo e os barulhos não cessavam, mesmo dentro d'água dava pra ouvir os sons
insuportáveis.
De repente, pareceu que alguém pulou também, mas eu ficava cada vez mais longe. Tentei tomar algum impulso, mas foi em vão. A partir de um momento, uma voz se tornou mais alta que as outras.
- Ana Alice! Ana Alice!!
Não era uma voz nítida, e eu nem sabia se era aquilo mesmo, mas parecia muito
- Ana Alice!!!
Tentei alcançar a superfície mais uma vez, mas fui puxada pela correnteza novamente, e dessa vez mais forte.
- Ana Alice!!!

Acordei assustada, suando e ofegante. "Ana Alice". Alguém estava gritando esse nome, provavelmente gritando para mim. Demorei um tempo pra assimilar.
Poderia ser só um sonho, mas não pareceu. Parecia real, e muito.
Quando cheguei na cozinha, a mesa estava posta, mas ninguém estava sentado. Luísa lavava a louça (provavelmente os pratos dela e dos pais), eu nem sabia que horas eram.
- Ah, oi! você acordou. Tem café no bule e os bolos são de cenoura com chocolate e milho.

- Obrigada- Como eu diria á ela que supostamente descobri meu nome? Parecia até piada achar um jeito de falar seu próprio nome pra uma pessoa.

- Você tá bem?- ela pôs o último prato no escorredor e virou pra mim.-  Parece pensativa demais. Se é por causa da delegacia , não se preocupe, os policiais daqui não são aqueles bárbaros que ás vezes saem nas notícias e...- Eu não estava ouvindo o que ela estava falando, não conseguia me concentrar- então você vai e quando voltar, temos  que tomar um sorvete de pitanga maravilhos..

- Ana Alice.- Disparei, olhando pro nada. Não foi glamouroso ou impactante, mas eu não queria que tivesse sido.

- O que?
Ela tirou o pano de prato do ombro d olhou pra mim.

- Meu nome. Acho. Tive uma espécie de flashback essa noite e me chamavam por esse nome. -
Ela me olhou estática, mas sua expressão era pura felicidade e animação

- Ai, meu Deus!! A melhor notícia do dia! Ana Alice é um nome tão lindo, você prefere que eu te chame de Ana ou Alice?

- Sinceramente?- Falei rindo- chame de qualquer coisa, tanto faz

- Ai, mamãe vai adorar saber! Vamos contar agora

Antes que eu pudesse reagir, ela já me puxava em direção á garagem-floricultura, e eu mal tinha dado a primeira mordida no meu bolo. Ao ouvir, Cíntia esboçou a mesma reação que a filha, mas um pouco mais controlada, talvez.

- Isso é muito, muito bom! Ana Alice! Já é uma informação a mais pra nós. E o sobrenome? Lembrou?

- Não... infelizmente não

- Um flashback sobre o afogamento...- ela sussurrava pra si mesma, com uma mão no queixo- você deve ter tido uma noite péssima, querida. Trate de entrar e descansar ao máximo pra estar disposta á tarde, quando formos á delegacia e pra noite no médico.

Assenti e entrei. Logo Luísa começou uma correria pra lavar o sofá e as poltronas na sala. Me ofereci pra ajudar, ela recusou. Fui mesmo assim. Eu podia não ter tido uma noite boa, mas não estava tão fisicamente cansada.
Ficamos mais ou menos uma hora esfregando e enxaguando. Quando Cíntia entrou em casa, na hora do almoço, quase me estrangulou (na verdade, quase estrangulou Luísa) por estar trabalhando e não descansando. Foi um processo convencê-la de que trabalhei por livre e espontânea vontade.
O almoço pareceu mais alegre do que nunca, o Sr Souza ficou muito feliz por eu ter lembrado meu nome. Mas eis a dúvida: Estavam felizes por essa ser uma conquista pessoal importante pra mim ou por significar que estou próxima de lembrar tudo e ir embora? Um pouco dos dois, provavelmente. E ainda tinha aquele "ou..." Da noite anterior, que não saía da minha cabeça

Por Água Abaixo Onde histórias criam vida. Descubra agora