Capítulo 38

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Dois dias depois do que havia acontecido na mata, lá estava eu, deitado em minha cama fraco e destruído. Pior do que vê alguém morrer com câncer, é você morrer por causa de câncer.
Enquanto ouvia um filme estranho que passava na TV ao lado da Thamy, comecei a pensar na minha vida. Era como se os últimos dezessete anos tivesse passado como um flash sobre meus olhos. Em um dia eu estava bem e no outro já estava vivendo os meus últimos dias. A vida é tão louca, e complicada. Todas as esperanças agora não significam mais nada.

Eu poderia passar os meus últimos dias chorando, se lamentando por não ter tido uma vida extraordinária, ou gritando dizendo que não é justo eu passar por tudo isso. Talvez isso seja o que a maioria das pessoas fazem quando estão no auge da vida, e eu pensei em fazer isso também. Mas decidir fazer diferente, porque embora tudo esteja perdido, então agora tudo que me resta é alegrar os corações das pessoas que eu amo. Não vou dizer mais que minha vida foi uma merda, eu tive momentos ruins, mas também tive momentos inesquecíveis e que eu jamais vou me esquecer.

Uma vez meu avô me disse que a vida me traria grandes momentos, disse que minha vida não seria cem por cento boa e nem cem por cento ruim, porque não é possível a vida ser cem por cento uma coisa só. Ele também me disse que a minha vida seria repleta de momentos. Eu comecei a rir daquilo tudo, não havia entendido, acho que eu era novo demais pra compreender qualquer baboseira sobre vida. No fim meu avô estava certo. Eu vivi intensamente e minha vida foi repleta de momentos, momentos em que chorei, momentos em que odiei, em que me magoei, me feri e que enchi meu coração de rancor. Mas também teve momentos em que eu sorri, gargalhei como se não houvesse sofrimento no mundo, teve momentos em que abracei, em que ouvir muitos "eu te amo", momentos que amei e que tive a chance de ser amado. Porque a vida é assim, é repleta de momentos que não tem volta, eles vem, passa diante de seus olhos e se você não viver ele da melhor maneira possível logo ela vai embora e tudo que te resta é lamentações.

Eu sei, porque hoje eu lamento por não ter vivido da melhor maneira aos dezesseis anos, mas isso não importa mais agora, pois não adianta chorar por uma coisa que nunca mais terá volta. Também entendi que não existe vida ruim, talvez hoje a sua vida seja uma atrapalhada e à cada minuto que passa tudo só vai de mal a pior. Mas mesmo assim você tem que fazer a diferença na sua vida. Você precisa viver cada instante da maneira certa, você precisa ter forças e fé para acreditar, você pode se esforçar. Só te resta tentar.

Às coisas só deram uma melhorada pra mim porque eu dei uma chance as pessoas boas que começaram a me cercar, foi incrível porque alguém me deu olhos pra enxergar o outro lado da vida e perceber que é apenas um momento, nada mais. Então permita ter olhos pra enxergar coisas boas na vida e não só tragédias, porque só assim você terá uma vida inesquecível, só assim você conseguirá superar as tragédias.

- No que está pensando? - pergunta com uma voz doce. - Você não disse uma palavra desde que começamos a assistir.

- Na minha vida.

- Em que parte exatamente?

- Em como minha vida se tornou incrível nesses últimos meses. Era pra ser os piores meses, mas está sendo os melhores.

- Isso me deixa muito feliz!- dou um sorriso e logo uma ideia passa pela minha cabeça.

- Você ainda está com o seu computador aí?

- Sim eu estou, por quê?

- Você me ajuda com uma coisa? - ela demora um pouco pra responder.

- Claro, o que deseja? - pergunta curiosa.

- Vamos pra cozinha, lá eu te explico!

Trinta minutos depois estávamos na cozinha planejando um encontro a cegas pra minha mãe. Não sei o que deu em mim, mas a necessidade de fazer algo desse tipo era maior do que eu. As coisas entre ela e o Dereck não estavam legais. E embora toda negação, ela o amava e o sentimento era recíproco. Coitada, ela pensa que eu não sei do fora que ela deu nele. Pensa que não vejo como ela sorri quando escuta "Between the bars" do Elliott Smith, pensa que eu não sei que essa é a música deles e que ela dorme vestida com a camisa dele. Eu sei que ela queria ficar com ele, mas temia fazer isso e ser uma mãe ausente pra mim. A mamãe só estava pensando que logo vou morrer, e sendo assim ela gastaria tudo que tem por mim. Eu sei dessas coisas porque eu faria o mesmo se fosse ela, mas agora sei que está na hora de retribuir todos os favores.
Pode ser que ela me mate por isso, mas acho que vou correr esse risco.

- Oi meus amores! O que estão fazendo? - pergunta animada ao chegar da rua. Gelei no exato momento, não era pra ela está aqui.

- Hã... - Thamy começa a falar, mas não prossegue, ela me cutuca.

- Estamos marcando um encontro com o Dereck Stroc pra você!

- O QUÊ? Téo não, não por quê você fez isso? - ela grita.

- Mãe, para por favor e me escuta - digo segurando seus ombros. Eu não podia vê-la, mas sabia que a mesma olhava fixamente para mim. - Você ama ele e não sabe como dizer. Você não terá mais o papai porque não sentem mais nada um pelo o outro. Logo mais eu não vou estar aqui com você e...

- Téo, não fala isso - ela diz com a voz rouca, estava prendendo o choro.

- É sério mãe. Todo esse tempo a senhora só pensou em mim, não quis seguir enfrente com medo de me perder se passasse um segundo longe de casa. Isso não pode ficar assim, e eu sei que isso é um saco e também é difícil pra mim dizer isso, mas eu preciso que você seja egoísta e comece a pensar em você - sinto o nó se formar em minha garganta.

- Téo...

- É hora de viver a sua vida mãe. Você já sacrificou tantas coisas por minha causa, desistiu de seus sonhos e deu um fora em uma cara que você ama. A senhora não pode continuar fazendo assim se não vai ficar sozinha, e eu não quero isso. Eu quero que você se cuide, conheça pessoas, visite vários lugares, tire muitas fotos e seja livre. Isso vale pra você também Thamy, eu não quero que vocês fique pensando o tempo todo em mim, não quero que se tranque em um quarto e fiquem deprê se lamentando... Eu quero que vocês sejam livres, porque só assim que vou conseguir descansar em paz.

Procuro a mão da minha garota, e quando ela se levanta seguro em sua mão e na da mamãe.

- E você, Thamy, quero que você conheça um cara bacana e que te trata como uma rainha, porque é isso que você é. Quero que vá pra Nova Iorque, que ganhe o coração do povo americano, realize os desejos da nossa lista porque eu não vou ter a oportunidade de fazer isso. Vivam intensamente por mim, porque vocês são parte de mim e eu sou parte de vocês. Então me dêem a melhor vida, façam coisas incríveis não só por vocês, mas também por mim. Se arrisquem, sejam os meus olhos, tornam-se quem vocês realmente são e assim vocês estarão me fazendo muito, muito feliz! - sinto elas me abraçarem. Fecho os meus olhos, é tão doloroso dizer essas palavras, mas de algum jeito estranho dizer o que sente acaba te deixando feliz. E mesmo nesse momento melodramático, meu coração doía e sorria ao mesmo tempo, queimava de dor e amor. - Promete pra mim que vão se cuidar!

- Eu prometo... - Thamy responde com um soluço.

- Eu também - a mamãe diz por fim. Dou um sorriso e elas me abraçam ainda mais apertado.

- Eu sei e acredito que vocês vão superar a minha perda e vão ser felizes. E eu vou ser feliz onde quer que eu esteja, graças a vocês que me fará feliz... - foi tudo que conseguir dizer antes do ambiente ser tomado pelos soluços da minha mãe.

Choramos os três juntos, e depois demos risada porque a Thamy acabou emitindo um som engraçado com a boca. Aquele momento doeu, mas também nos amadureceu.

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Você Me Deu OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora