Capítulo 39

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— Você não parece muito bem — Dra. Wendel comentou entre dentes. Talvez aquele tenha sido um pensamento que acabou saindo em voz alta. Faz mais ou menos uns cinco minutos que ela chegou pra me examinar. 

— Deve ser porque eu estou morrendo — respira fundo e acabo por responder.

— Como se sente? Téo? — encosto minha cabeça no encôsto da cadeira e aperto os meus olhos. Não pensei que ela realmente fosse perguntar.

— Não sei, eu sinto tudo. Eu tentei fazer com que tudo ficasse bem, não queria me sentir mal. A vida toda eu nunca tive medo do que iria acontecer comigo no final, só que agora... eu não sei, está tudo muito confuso. É assustador.

— Tudo bem sentir medo, a maioria das pessoas que enfrentam essa mesma jornada sentem medo, e nunca estão prontas pra enfrentar o que está por vir. Você só não pode em hipótese alguma deixar que o medo te domine.

— É só que... Eu busquei coisas incríveis, ter alguém incrível, fazer coisas que adolescentes fazem, ir pra faculdade, casar, ter filhos. Ontem mesmo eu pensei diferente, ontem eu não estava ligando pra isso. Sei lá, é bizarro como mudamos de ideia de uma hora pra outra — dou um sorriso já sentido as lágrimas queimar o meu rosto. — Eu não quero ir... — minha voz sai abafada. — Eu... não dava a mínima pra isso a uns cinco meses atrás, porque eu acreditava que as coisas não se transformaria nisso — ela segura minhas mãos apoiadas em cima da mesa da cozinha — Só que em um mês tudo mudou, eu conheci alguém especial, meu pai voltou pra Londres, eu fiz várias coisas legais, fui até em um show. Cara que jovem hoje em dia nunca havia ido em um show? Se não fosse pela Thamy eu nunca teria feito essas coisas, entende?

— Sim, eu entendo. 

— Eu não queria me apegar, eu tentei não  deixar as coisas ganharem espaço no meu coração, principalmente a Thamy, porque eu sabia que um dia isso iria acontecer. Eu não queria ficar assim quando fosse o momento de ir. Mas eu me apeguei e agora eu não quero ir... estou com medo do que farei na vida dela. Não quero deixá-la em depressão outra vez.

— Téo para. A morte não coloca fim no amor, se você a ama de verdade, você nunca irá deixar de ama-lá e a mesma coisa ela! — passo as mãos pelos meus cabelos, isso é tão bizarro.

— Como vai ser? — pergunto depois de uma longa pausa. 

— Você terá pouca fome, vai ter muita sede e às vezes febre, irá dormir muito e terá  pouca energia.

— Vai doer? 

— A morfina é a garantia de nenhuma dor. Não se preocupe! Eu acredito que você lidará com os últimos dias da maneira que deve ser. Vá chegar em um momento em que você perderá a consciência e não irá conseguir falar, mas irá saber que as pessoas estarão lá, vai ouvi-las falar. Não vai ser fácil Téo...

— Nunca é fácil. 

— Eu sei, mas sem que perceba você será levado. E tudo se tornará diferente... — ela falando parecia tão tranquilo e simples. — Téo? Alguma pergunta?

— Não.

Horas depois eu não conseguia parar de pensar no que a doutora havia dito. Eu praticamente não tinha mais tanta energia e nem força, mas ainda queria fazer alguma coisa boa, queria sorrir mais uma vez. Só que naquele momento nada estava me fazendo sorrir. 

— Como você tá? — Jane sussurra em meu ouvido.

— Morrendo. 

— Não tem graça Téo, você quer alguma coisa? 

— Qualquer coisa? — pergunto no mesmo tom de voz dela.

— É... sim, qualquer coisa. 

— Me conta. 

— O quê? 

— Como está o dia lá fora? — pela temperatura eu sabia que estava frio, mas ainda queria saber como estava tudo lá fora.

— Nublado, triste e bem frio. A chuva cai como cachoeira sobre o solo, deixando o clima bem aconchegante. Cairia perfeitamente um chocolate quente e um filme triste, o que acha amor? — seria perfeito se eu pudesse vê. 

— Péssima ideia — ela dá uma risadinha.

— Por quê?

— Quero poupar suas lágrimas — ela fica segundos em silêncio. 

— Vai estar aqui no dia do concurso da Thamy, né? — é o que mais quero.

— Vou lutar pra estar. 

— É daqui quatro dias, você consegue.

— Jane, eu só quero mais uma coisa de você. Uma coisa que talvez eu nunca mais possa fazer. 

— O quê? 

— Me leve até lá fora e me deixa debaixo da chuva. 

— Téo eu acho melhor você ficar aqui dentro, bem quentinho! — ela me cobre ainda mais com o cobertor.

— Não Jane, talvez eu nunca mais possa fazer isso. Por favor! — ela respira fundo, eu sabia que ela estava com medo do que poderia acontecer comigo se eu tomasse chuva. Mas também estava com medo de me negar isso e me vê partir sem eu ter tomado banho de chuva por culpa dela. Era uma decisão difícil, só que não importava. Eu só querir ir até lá fora.

— Sua mãe vai querer cavar minha cova, mas vamos logo com isso.

Depois de um longo discurso pedindo a permissão da minha mãe, conseguir chegar lá fora. O barulho da chuva caindo no telhado parecia notas musicais e a cada segundo ficava mais forte. Sinto ela tocar minha pele suavemente e o meu corpo se arrepia com a friage. Levanto meu rosto pra cima pra sentir melhor ela em meu rosto, a sensação é perfeita e inexplicável. 

Sentir a água escorrer pelo meu corpo era a melhor coisa do mundo. Eu sentia como se ela levasse toda a minha dor, angústia e medo. E como um turbilhão, uma alegria nasce em meu coração, uma alegria que nada consegue explicar. E derrepente me sinto uma criança novamente, quando meu avô chegava com brinquedo novo, ou com um saquinho de batatas, com balas e biscoitos da sorte. Era uma alegria extraordinária e foi isso que eu sentir no momento. 

— Hahaha... — começo a gargalha sentido o meu corpo ficar todo encharcado. — ISSO É INCRÍVEL! — grito e sinto alguém ao meu lado.

— Tem razão é muito bom! — escuto a voz do meu pai. — Vem Amanda, vem Jane, vem sentir isso também — começo a ouvir as gargalhadas da minha mãe. 

— HUUUUUUUUUU isso é demais! — a mamãe grita animada. — Está fria pra caramba.

E assim ficamos rodando debaixo da chuva caindo desesperadamente sobre nossos corpos. Era pra ser um momento dramático, em que eu ficasse lá dentro debaixo das cobertas talvez tomando um chocolate quente, ouvindo um filme triste e com a cabeça encostada no ombro da minha mãe escutando ela chorar e dizer o quanto irá sentir minha falta. Era pra ser delicado e triste, mas decidimos tornar o momento em um momento feliz. Só você pode definir como vai querer aproveitar cada minuto. Eu quis aproveitar assim, debaixo da chuva. E você, o que vai fazer?

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Você Me Deu OlhosOnde histórias criam vida. Descubra agora