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Monifa:

Afonso está se quebrando tanto quanto Ferrus se partiu, me dói vê-los desta maneira e não poder fazer nada. Caminhei até sua porta e coloquei o ouvido nela. Afonso deve de estar chorando. O que será que ouve. Ferrus saiu do quarto dele. Com a borda dos cabelos úmidos por ter se lavado o rosto. Antes dele perguntar por Afonso enfiei meu braço ao dele e o levei para baixo.

-Afonso já desceu?

-Está se recompondo.

-Vou ver como ele está. . .

-Não, deixe-o descansar, vão desconfiar se eu descer sem os dois.

Ferrus assentiu e me acompanhou, a mesa já estava arrumada e o senhor Luigi parecia conversar sozinho com um copo de licor na mão.

-Buenas, donde está Afonso?-perguntou Luigi ao nos ver.

-Estava exausto e precisava descansar, mais tarde levo algo para ele.-comentei.-A viagem foi bem cansativa.

-Então vamos comer!-disse ele esfregando a mão na barriga.

Ferrus puxou a cadeira para eu me sentar e sentou a meu lado. Luigi parecia desconfortável, Ferrus estava desprovido de qualquer sentimento.

-Devo ser a primeira negra a sentar em sua mesa senhor Terra, se estiver desconfortável posso comer na cozinha.

-Buenas, desculpa o atraso patrão, tava resolvendo uns assunto.-disse Zulu me surpreendendo. Ele sentou no outro lado da mesa de frente para Ferrus.

-Isso responde sua pergunta?-disse Luigi.

-Perdão senhor, me sinto envergonhada por minhas palavras.

-Desde que Afonso se foi Zulu e a finada Zuri me fazem companhia a muito deixei de me importar.-A comida começou a ser destampada e o cheiro era maravilhoso.

-Somos amigos desde piá!-disse Zulu.-O dia que recebi minhas primeiras chibatas, Luigi tentou me proteger.

Zulu se calou com uma colherada na boca.

-Levei a mesma quantia de chibatas por me meter.-disse Luigi sorrindo.-Meu pai me amaldiçoou aquile dia.

-Por Deus, sim.-disse Zulu rindo.-E pelo visto deu certo.

Eu e Ferrus comíamos olhando ambos.

-Ainda não está de arrasto para que eu te carregue velho!-brincou Luigi.

-Me falta só um olho pra isso!-riu Zulu.

-Essa foi sua maldição?-perguntei curiosa.

-Ele me disse, tenho vergonha de um piá de merda como tu, defendendo mercadoria, por sua mediocridade arrastará esse negro em suas costas pelo resto de sua vida, filho ingrato.

-Exatamente as mesmas palavras.-concordou Zulu.-Luigi olhou nos zóio do véio e disse que se essa fosse sua sina assim o faria, me arrastaria se fosse preciso, e morreria feliz e satisfeito por ter podido me chamar de amigo.

-Então por enfrentar ele, me amarrou no mesmo tronco do outro lado de Zulu e ele próprio sentou a chibata em minhas costas, Zulu recebeu 10 chibatadas e eu 20, a Nega véia, mãe de Zulu nos curou com emplastros, minha mãe desejava a morte de meu pai fervorosamente por àquilo, até hoje acho que foi ela que o matou.-riu ele.-O home começou a passar mal três dias depois, depois de uma semana pendurou as botas. Minha mãe não derramou uma lágrima por ele, nem foi no enterro, não vestiu luto. Afonso me lembra muito ela.

-Sim, a bondade de Afonso sem dúvida herdou da tua mãe.-disse Zulu.

-Acha que não sei que ele deve de tá chorando furioso comigo porque não lhe contei da morte de Zuri?!

Engoli em seco, Afonso não estava chorando pela mãe preta dele, pois ela já havia lhe dito que não o veria mais, Afonso já sofrera esse luto quando saiu desta casa. Ele chorava sim, mas por Ferrus que agora me encarava, desviei o olhar para Luigi.

-Sem dúvida o senhor também herdou tal qualidade.

-Ah, não, nem chego perto disso, nunca açoitei nenhum negro em minha vida, pode perguntar a qualquer um.

-Confio em sua palavra senhor.

-Pode nos contar sua história?-perguntou ele.

Limpei a boca.

-Nasci em Pelotas em uma fazenda de gado, fui permitida montar cavalo e ir para o campo como se eu fosse livre, quando fiquei moça, aos 13 anos, o patrão morreu e todos os escravos foram vendidos, eu fui vendida por apenas 1 tostão, vali menos que uma marreca, depois fui comprada por dois homens bondosos, dois irmãos tios de Ferrus, os irmãos Cortez me criaram, me ensinaram a ler e a escrever, me deram educação, roupas e afeto.

-O que ouve com eles?-perguntou Luigi.

-A guerra os levou.

Eu não mentia, apenas omitia quem eram os homens, cujo um deles estava a meu lado.

-O que sobrou de minhas terras pertence a Monifa!-disse Ferrus.-É tudo dela.

-Fala como se estivesse por morrer guri.

-Estou indo para a guerra senhor, não sei se vou voltar, amanhã vou a cidade deixar os papéis encaminhados passando as terras para ela, se puder olhar por minha prima de vez em quando lhe serei eternamente grato.

-Ela ficará comigo pelo tempo que precisar. -disse Luigi.-Será tratada como uma filha.

-Obrigado senhor.

-Mas meu filho disse na carta que trabalhava pra ele.

-Sim, depois que meus pais partiram Ferrus foi ficar comigo para me ajudar, então conhecemos Afonso, eu gostei dele imediatamente, como se ele fosse um irmão, eu já li muitos livros senhor, posso não ter me formado, mas sei tanto de medicina e sobre leis quanto eles, comecei a ajudar Afonso com estudos e depois passei a cuidar dele também, com a partida de meus dois pais me vi perdida e sozinha.

-E sua amizade com Afonso surgiu lá?-perguntou Luigi para Ferrus.

-Nunca vi Afonso como um rival ou inimigo senhor, o que ouve no passado não teve nada a ver comigo ou com ele, mas nossa amizade surgiu na embarcação para o Rio, ele passou mal e eu o ajudei.

-Humm. . . obrigado por ajuda-lo, vocês são outra geração, não deveriam estar indo para essa maldita guerra.

-Estou indo pelos mesmos ideais senhor, minha prima é livre, mas quero a liberdade de todos e . . . principalmente. . . -ferrus suspirou.-Quero a morte de quem . . . quem fez . . . o que fez com minhas mães.

-Cuidado guri.-disse Luigi.-A vingança não é o melhor caminho.

-Eu preciso dela senhor, ou não conseguirei viver em paz comigo mesmo.

-Entendo.-Luigi deu um sorriso amargo.-Deve me achar um covarde por eu não ter ido pra guerra.

-Não senhor!-disse Ferrus.

-Eu não fui porque eu próprio fiz de minha fazenda meu mundo, dei liberdade a todos eles, e todos quiseram ficar comigo, não há um negro aqui que não por livre e espontânea vontade, dou comida, moradia, vestes, e a cada venda dou alguns tostões a cada.

-Isso é tão generoso!-disse Ferrus.-Me orgulharia se eu fosse seu filho.

-Nunca imaginei ouvir algo assim de um Cortez!-brincou ele.

-No fim das contas somos humanos!-brincou Ferrus sem emoção.

-É. . .

Quando seus olhos me encontramOnde histórias criam vida. Descubra agora