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Afonso.

Montamos em silêncio e não demos um pio antes de sair da propriedade. Estou tão desorientado que não tenho vontade de nada, nem sei pra onde estou indo, apenas estou deixando o cavalo seguir o dele.

-Um dia vai me perdoar?-murmurou ele.

-Não sei!-confessei.

-Eu não estou te traindo meu amor.

-Não, só está me deixando.-Com duas batidas fortes nas virilhas de meu cavalo o fiz disparar.

-Afonso?!

O deixei gritando e me chamando, mas a cria de minha égua era tão mais rápido que deixou Afonso para trás, eu nem sei pra onde estou indo apenas quero correr, correr até estar livre e me sentir voar. Desapareci em mato e morro e por fim em meio as árvores ouvi uma cachoeira.

-Se eu conseguir ao menos falar com teiniaguá, eu entregaria minha alma em troca de salvar Ferrus, lhe daria 100 anos de escravidão para que Ferrus sobrevivesse.

Ali tentei afogar minhas mágoas na margem do lado perto da cachoeira, eu queria que a água enchesse meus pulmões e o levassem a falecer. Braços fortes me puxaram para uma pedra.

-O que está fazendo Afonso?!-perguntou Ferrus apavorado.

Só consegui chorar aguarrado a roupa de Ferrus. Que ficou em silêncio abraçado a mim.

-Não tenho mais forças!-murmurei.-Não tenho mais chão.

-Não fale isso, eu não morri.

-Mas vai.-Tentei o empurrar.-Vai me deixar, está me deixando, me matando Ferrus. . . está. . . me. . . quebrando e não consigo te perdoar sobre isso por mais que te ame, por mais que . . . eu te deseje, essa divida comigo será eterna Ferrus.

-Eu sei. . .-sussurrou.-Eu sei. . .

Tentei soca-lo, empurra-lo. Mas Ferrus só estreitou os braços ao meu redor e começou a chorar.

-Me perdoe. . . me perdoe amor. . . eu não consigo mais. . . não consigo sentir, não consigo dormir. . . eu fecho os olhos Afonso e vejo minhas mães sendo brutalizadas, torturadas. . . eu não consigo mais viver com isso.

Seu sofrimento é minha maior dor, baixei a guarda e o abracei.

-Estou aqui não estou?-murmurei contra seu pescoço.-Eu vim com você, porque sei que precisa disso.

-E te amo muito mais por isso.

-Não. Não me ama mais.

-Não diga isso Afonso!-sua mão encaixou em meu maxilar.-Você é o único motivo que me faz levantar meu amor, único que me faz odiar tudo o que sou por estar te quebrando. . .

-Está me matando Ferrus.

O deixei em silêncio, me levantei e sai caminhando até meu cavalo. Fomos a cidade, durante o caminho minha roupa secou em partes. Depois de fazer o que queríamos Zulu nos encontrou.

-Afonso, precisamos que volte, tem um general farrapo, ferido, Monifa está cuidando dele.

-Vamos, Ferrus preciso ir.

-Já terminei por hoje, vou junto.

. . .

Após abrir, tirar a bala de chumbo, saturar suas tripas, limpar, e depois saturar camadas e camadas, rezei para que o general sobrevivesse. Monifa permaneceu incansável ao meu lado, ajudou sem nem mesmo fazer cara feia, preocupação enchiam seus olhos.

-Ele vai ficar bem!-murmurei exausto.

-Vou rezar. . .

-Preciso me lavar!

-Obrigado Afonso!

-Cumpri meu dever.

Ela sorriu com pesar, fui ao meu quarto me lavei para tirar o sangue das mãos enquanto preparavam meu banho. Entrei naquela banheira com alívio por ter salvo alguém. Estava quase dormindo na banheira quando Ferrus me tirou dali de dentro nos braços.

-O quê está fazendo?

-Estou orgulhoso de ti Afonso.

-Obrigado!

Ferrus beijou meu queixo antes de murmurar com os lábios aos meus.

-Te amo!

Não respondi com palavras, mas meus olhos transbordaram enquanto Ferrus me levava para a cama e me tomava, como se fosse nossa primeira vez. No dia seguinte no lugar de Ferrus havia uma carta. A amacei e a joguei longe antes de ler. Eu já imaginava o que era. Uma carta de despedida. Só soube que gritei quando Monifa entrou em meu quarto as pressas, usando sua roupa de dormir.

-Afosno!-saltou ela e eu chorei em seus braços.

-Ele me deixou Monifa!-murmurei.-Me abandonou.

-Calma -sussurrou ela em meu ouvido enquanto me abraçava.-Vocês vão ficar juntos.

-Só se for no inferno!-grunhi.

Me levantei, vestindo minhas bombachas novas, as botas, guaiaca, faca, adaga e espada. O chapéu que pertenceu a meu avô.

-Vai me deixar também?

-Cuide de meu pai, do general, e destas pessoas que aqui vivem Monifa, se Ferrus quer se matar irei com ele.

-Não Afonso!-chorou ela.

-Te amo prenda!-beijei o alto de sua cabeça e sai do quarto, passei no quarto para ver o general que parecia mui bueno. Ao descer vejo meu pai com o olhar perdido na janela.

-Adeus meu pai!-falei o abraçando.

-Nunca imaginei que o perderia para um Cortez!-sussurrou ele.

-Não papa, me perdeu pra essa maldita guerra.-lhe beijei a têmpora e sai a passo. Zulu me esperava com meu tordilho.

-Buena suerte meu guri.

-Cuide de Monifa para mim Zulu, eu a amo, quando meu pai partir tudo isso aqui será dela. Monifa é minha herdeira.

-E de seu parceiro também.

-Sim, dele também, quando está guerra acabar . . . não voltarei Zulu.

Ele me abraçou apertado.

-Te cuida piá.

-Asta siempre nego véio.

Não esperei uma resposta, apenas parti rumo a Porto Alegre onde ouvimos falar que a tropa de general Neto estava. Dois dias de viagem e encontrei um soldado de tocaia, que me levou ao general.

-Buenas general.

-Buenas, a que devo a visita?

-Sou Afonso Terra, formado médico, vim me juntar as forças farroupilha.

Ele se levantou olhando sério pra mim.

-Se um de meus negros sangrar vai cuidar dele. . .

-Negro, índio, branco, todos sangramos da mesma cor senhor.

-Bem vindo a tropa Afonso Terra.

-Obrigado senhor.

Fui levado a uma tenda onde improvisaram uma enfermaria, e ali fiquei sem saber se Ferrus estava naquele acampamento, sem saber o que dizia naquela carta.

Quando seus olhos me encontramOnde histórias criam vida. Descubra agora