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Nikolai:

Aí que ódio, já chega vou dar um jeito de correr ele deste quarto. Sai do banheiro batendo a porta com força e o vi desesperado.

-Não! -ele tentou juntar algo e corri até a mesa onde ele estava, tinta preta manchava uma folha que ele tentava desenhar algo, e sem pensar tentei me desculpar, ele pela primeira vez foi frio, e me doeu tanto vê-lo me tratar dessa forma, eu queria voltar no tempo e . . . não queria ter estragado o trabalho dele, deve ser importante pra ele. Quando ele voltou parecia mais irritado, com ódio, eu gelei por dentro, ele não olhou em meus olhos então agi, peguei o pulso dele e . . . uma energia percorreu meus ossos, sua pele quente sob meus dedos frios pode ter causado essa reação, o olhei com espanto e ele estava de olhos fechados, umedeci os lábios por instinto, e ele abriu os olhos, olhos tão familiares, como se eu o conhecesse de outras vidas. Então uma lágrima lhe correu e seu rosto ganhou cor, ele estava envergonhado e fugiu de mim.  Cadu não precisa se envergonhar e eu queria entender o porquê que eu quis chorar junto dele. Peguei a folha rasgada, tentei olhar contra a luz, ele estava desenhando um olho sem sombra de dúvida. Peguei a folha e sai do quarto em busca de Hector.

-Senhor Ivanov posso lhe ajudar?

-Como posso consertar isso?

-Humm . . . eu não sei, mas conheço alguém que talvez possa!

-Pode me dizer quem?

-Venha eu falo com ele.

O acompanhei com o papel na mão, olhando para aquela mancha que começava a atravessar o papel. 

-Olá? -disse um cara pouco mais velho que eu.

-Senhor Davies sabe como concertar isso? -Hector pegou meu papel.

-Não 100% 

-Mas consegue limpar um pouco pelo menos?

-Claro! -disse ele pegando o papel. -Posso te entregar amanhã? 

-Serei imensamente grato!

-Vai ficar me devendo uma! -sorriu ele.

Assenti sem retribuir o sorriso. Voltei para o quarto chateado pelo que eu tinha feito. Quando entrei no quarto apenas meu abajur estava ligado, Cadu estava deitado, coberto até a cabeça. 

-Becker?

-Humm? -murmurou.

-Sei que não está dormindo, e vai morrer sufocado debaixo das cobertas, e, nem está na hora de dormir ainda.

-Tenho que acordar cedo! -Murmurou.

-Olha, eu levei pra uma pessoa que vai tentar limpar a mancha de tinta.

Ele se virou e me encarou, com os olhos meios inchados. Suspirei.

-Eu disse que não precisava se incomodar era só um desenho.

-Que parecia importante pra você!

-Não. Eu só fiquei frustrado comigo mesmo, não teve nada a ver com você.

Me levantei e peguei o caderno de desenho dele, e um lápis, entreguei pra ele, me sentei ao pé de sua cama.

-Deixe eu me redimir, posso servir de modelo pra você, sei que estava desenhando um olho. -falei estendendo ambos pra ele, que suspirou e sorriu como o idiota que é, mas senti alívio quando ele pegou as coisas. 

-Não se mexa! -disse ele e então não me mexi, apenas observava os olhos dele em mim, desenhando além dos olhos pois mudou de página e depois outra vez, calcei meu rosto nas mãos enquanto olhava fixamente pra ele, eu poderia descrever cada sarda de sol dele, poderia desenhá-lo se soubesse como, os olhos dele eram incrivelmente lindos, olhos que me faziam viajar. Eu não sei por quanto tempo fiquei ali, mas meu lábio tremeu de frio e ele parou de desenhar.

-Por Deus Niko, está congelando. -disse ele se levantando, me levantei junto dele. -Outro dia eu termino o desenho, precisa se aquecer.

Ele mexeu no aquecedor e eu sorri bufando.

-Isso não funciona direito! -falei batendo os dentes e procurando meu pijama, tirei a roupa colocando-o enquanto ele foi ao banheiro. Saiu pingando água dos cabelos como na outra noite, lhe dei as costas e fui escovar meus dentes. 

- A noite parece mais fresca hoje! -disse ele quando eu saí do banheiro.

-Fresca, acho que errou a palavra Becker, você quis dizer congelante!

Ele negou com a cabeça enquanto eu levantava aquelas cobertas frias.

-Espere, tenho algo pra você. -disse ele quando me sentei na cama e ele mexeu numa gaveta da cômoda, e trouxe uma bola de lã azul.

-O que é isso?

-Meias! -disse ele desembolando. -Aqui, coloque esse! -ele se sentou em cima do outro pé.

-Está aquecendo a outra com sua bunda?

-Como acha que os pintos se aquecem debaixo de uma galinha? - brincou ele. O humor lhe voltará, ele conseguiu esquecer, era fácil demais agradá-lo, lhe cagariam a cabeça quando qualquer idiota soubesse disso. As meias grossas e ajustáveis, foram até meus joelhos por cima das calças.

-Minha oma quem fez pra mim com medo que eu congelasse mesmo minha mãe lhe dizendo que eu ia suar feito um porco com elas, então antes de eu vir minha mãe enfiou elas na mala sem eu ver. -Ele me alcançou a outra quentinha coloquei a parte do pé bem rápido para não desperdiçar o calor, eu já conseguia sentir o calor mudando a temperatura de minha perna.

- O que é Oma?

-Ah, é avó, ela é filha de alemães, nos ensinou a falar alemão, deixa o Russo no chinelo . . . eu acho.

-Por que aprendeu a falar Russo?

Suas bochechas coraram e ele entrou para debaixo das cobertas. Então o encarei esperando uma resposta.

-Ouvi . . . alguém falando. . . um nome Russo e então pesquisei, quando vi seu nome eu imaginei que fosse Russo.

-Sou, mas não falo muito, me criei aqui.

-Sua mãe veio pra cá?

-Ela foi morta, fui criado num orfanato aqui em Londres mesmo.

Ele ficou em silêncio, por um tempo. Só espero que não sinta pena de mim. Odeio esse sentimento, achei que ele ia me dar os pêsames ou alguma coisa ridícula dessas que pessoas com pena dizem.

-Se lembra dela?

Fiquei surpreso.

-Não, nem uma lembrança.

-Às vezes é melhor, eu acho! -Ponderou ele, olhei em sua direção, ele olhava o teto.

-Por que acha?

-Não sei o que sente, mas não se lembrar talvez te faça sofrer menos, já eu, o dia que eu perder. . . minha. . . nossa eu não consigo nem pensar nisso que já dói.

-Acho que entendo o que quer dizer. -Ponderei.

Eu não lembro dela então como eu poderia sofrer por ela, mas será que eu não deveria sofrer por ela, não foi culpa dela eu ter ficado só, ela tentou, fugiu pra cá comigo ainda bebê.

-Dorme bem! -disse ele desligando o abajur dele.

-Você também. -Murmurei desligando o meu.

Quando seus olhos me encontramOnde histórias criam vida. Descubra agora