0.1

3.1K 288 235
                                    

A primeira vez que ouvi as vozes eu tinha nove anos

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

A primeira vez que ouvi as vozes eu tinha nove anos. Por um momento achei que era maluca.

Eu ouvi minha mãe falando coisas rudes sobre mim, lembro de ter deixado um prato cair após ter me descuidado e olhado para os lados procurando por minha mãe.

Sua voz ecoou por toda cozinha.

Isso se repetiu por semanas, e tudo só ficou mais estranho ainda quando escutei a voz do meu padrasto falando sobre ervilhas para o jantar, o mais estranho era que ele estava de boca fechada. E na minha frente.

Até a noite as vozes me incomodavam, me deixando incapaz de dormir. As vezes conseguia escutar a voz da minha vizinha de noite, olhava debaixo da minha cama só por precaução.

Quando meu padrasto e minha mãe descobriram que havia algo de errado, se comprometeram em me infernizar, como se as vozes não fossem o suficiente.

Minha mãe já foi uma mulher dócil, era bonita e alguém radiante, mas agora, é rabugenta, cruel e a bela mulher ficou no passado, agora é uma mulher enrugada e com olheiras profundas. Como se a alegria dela fosse a fonte de beleza dela e toda a sua alegria tivesse sido sugada. Eu não consigo me lembrar de uma época em que tinha meu pai presente, minha mãe sempre evitou me falar qualquer coisa sobre ele.

Hudbens, meu padrasto, era um homem baixinho e gordo. Exalava um forte cheiro de cigarros e salgadinho industrializados. Ele passava o dia inteiro gritando, sentado na sua poltrona que já tinha um buraco no assento por causa do peso do velho.

Minha meia irmã, Natasha, era poucos centímetros mais alta, o cabelo negro e longo juntamente de seu corpo esbelto, a fazia parecer bem mais velha do que era. A mesma nasceu com a missão de me perturbar. Fazia da minha vida um completo inferno. Ela era tratada como um bebê, minha mãe e meu padrasto gostavam de ignorar as besteiras que ela fazia e mimar aquela mocreia.

Quando eu não estava servindo de empregada para minha família, eu estava no meu quarto desenhando.

A forma que eu me expressava pela tinta era única, era meu pedido de socorro silencioso. O que me parece, ninguém nunca soube escutar.

Faltava pouco menos de cinco dias para meu aniversário de treze anos, e como todos os outros, não receberia um parabéns. Gostava de fingir que isso não me afetava, fazia eu me sentir um pouco mais forte. Eu sabia esconder bem minha fraqueza com ironia e sarcasmo.

— Garota insolente! — Meu padrasto berrou.

— O que houve, amor? — Minha mãe chegou enxugando as mãos em seu avental.

— A desastrada da sua filha derramou café quente em mim!

Minha mãe me encarou. Eu estava no canto da parede alternando o olhar entre a mulher furiosa a minha frente e ao homem também furioso a minha frente.

— Não sabe fazer nada direito, né, sua inútil?

Engoli em seco esperando que as lágrimas teimosas não descessem assim como a saliva que ficou presa na minha garganta. Eu não chorava na frente de ninguém.

A parte mais negra do escuro|✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora