Capítulo 51

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Eu estava a horas sentada em uma cadeira na sacada, enrolada em um cobertor grosso e felpudo, fiquei ali apenas, as lágrimas secaram no meu rosto, o vento gelado batia e queimava minha pele, mas eu não estava me importando com isso, não estava me importando com nada mais.

Uma batida na porta, não fui atender, não respondi, um barulho da porta se abrindo, passos pelo quarto, barulho do janelão se abrindo, não olhei quem era, não queria conversar com ninguém, o perfume que veio até mim com o vento denunciava que era Mirka.

- Eu sei que fui muito dura com você, mas por favor tente entender meu lado, seu irmão te descreveu de uma forma, e chega aqui uma pessoa completamente diferente com o que ele falou, fora tudo o que eu sei sobre o passado de vocês, a forma como tem agido com todos aqui dentro nos coloca na defensiva, essa é minha casa, e eu vou proteger tudo e todos com todas as minhas forças, fui treinada para isso, assim como os demais aqui dentro, e eu sei que você faria o mesmo se estivesse no meu lugar, faria o mesmo se a situação fosse o contrário e estivesse no clube, porque não é muito diferente do que aceitou fazer para proteger eles vindo para cá, tive uma conversa longa com o Dimitri, ele me convenceu a te dar uma segunda chance, mas saiba que não vamos confiar em você até que nos passe segurança.

- Por que foi atrás do meu passado?

- Não foi atrás só do seu passado, fazemos isso com todas as pessoas que tem alguma mínima relação conosco, antes mesmo da pessoa se aproximar de qualquer uma das pessoas da máfia sabemos de todo o histórico de vida dela.

- Fez isso com meu irmão?

- Principalmente, eu sabia de tudo antes mesmo de dar um espaço para ele se aproximar de mim, sabia da vida dele, da mãe, do pai de vocês, do seu nascimento, do falecimento da mãe dele, dos motivos para entrar no clube, até se tornar um membro fixo, os trabalhos que ele fez para eles, a vida de noitadas, bebedeiras, bundas doces, vigiar você a distância, histórico de saúde, alimentação, enfim extremamente tudo.

- Desde sempre soube de mim então?

- Eu sabia quem era, sabia que tinha feito merda, mas não pedi para aprofundarem na tua vida naquele momento, não era uma pessoa de interesse para mim até então, o básico estava bom, mas então seu irmão pediu para cuidar de você, então fui a fundo, e eu sei de tudo, completamente tudo.

- E o que pretende fazer com isso, me chantagear?

- Eu estou aqui para entender seu lado, escutar a tua versão, de qualquer forma, se for necessário claro, eu irei usar isso contra você sim, mas eu quero saber o porquê, quero entender o que motivou a fazer o que fez.

- Você já tem uma opinião formada sobre mim, o que vai mudar se eu contar a minha versão?

- Eu estou te dando a chance de mudar minha opinião, estou fazendo isso pelo seu irmão, que não está sabendo de nada do que está se passando aqui, para ele eu estou contando que tudo está tudo bem, que estamos nos dando bem, estou fazendo isso também em consideração que tenho por Dimitri, mas não vou ficar insistindo, se não quiser falar agora, aguente as consequências, e se teu irmão abrir uma brecha eu vou contar tudo a ele, mesmo que isso destrua a imagem da irmãzinha frágil e amável que ele tem de ti.

Não tinha forças para responder, não queria discutir sobre nada, não queria falar sobre nada, eu só queria ficar ali quieta.

Ouvi ela sair de onde estava, porém não saiu do quarto, não escutei a batida da porta, ou algo do tipo, escutei ela falar algo, mas estava distante, eu continuava em meu estado de estatua amante do vento gelado.

- Pedi comida, sei que não se alimentou, precisa entrar, vai ficar resfriada, ou até coisa pior.

- Não quero, estou bem aqui, obrigada.

- Não é uma sugestão, é uma ordem.

- Estou cansada, poderia em deixar sozinha um pouco?

- Não.

- Não irei discutir, se quiser ficar ai, pode ficar, mas eu não quero sair daqui, por favor respeite isso.

- Você me deve respostas.

- Eu as darei.

- Sou toda ouvidos.

- Agora não.

- Quanto mais demorar pior será.

- Eu sei.

- Está tornando as coisas mais complicadas para si própria.

- Eu sei.

- Ok, sua alimentação será cortada até que mude de ideia e decida falar sobre.

- Tudo bem.

Assim ela se retira fechando o janelão atrás dela.

Não sentia fome, não sentia frio, esse castigo não seria algo massacrante para mim, naquele momento, nada fazia sentido, não estava com vontade de viver de qualquer maneira, se morresse agora, se morresse congelada, com hipotermia, desnutrida, desidratada, isso iria minimizar meu sofrimento.

Como será que estão todos no clube? Será que sentem minha falta? Será que Death sabe onde estou? Por que ele não me procura? Por que não tenho contato com ninguém? Se eu pudesse ao menos falar com meu irmão.

Saudade dos dias quentes, do vento fresco no rosto, do canto dos pássaros, das risadas, da vontade de viver, saudade até dos poucos momentos no clube, das confusões, dos roncos dos motores, das gritarias, dos palavrões, das vadias do clube, daquela grande família.

Mais lágrimas correm e secam friamente em meu rosto, se eu soubesse que isso iria ocorrer eu teria pensado melhor, encontrado outra maneira de ajudar, quem sabe viver em uma masmorra no subsolo do clube, qualquer outra possibilidade, mas agora estou do outro lado do mundo, vivendo com pessoas que me tratam como uma sub-humana, que cavam os mais profundos segredos obscuros da vida de todos que entram em seu caminho.

E o pior não é nem saberem dos segredos mais obscuros, mas sim usá-los contra você, faz tantos anos, eu tinha bloqueado isso da minha mente, não queria mais ter que lembrar disso, não queria mais ter que falar disso, eu tinha colocado uma pedra sobre esse assunto, mas pelo visto terei de lembrar de tudo e pagar pelo erro duplamente.

Onde foi parar o princípio de ne bis in idem?

LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora