Capítulo 1

4.6K 279 12
                                    

Talvez as noites não foram feitas para dormir, nem para pensar.

Eu por exemplo, estou a horas caminhando sem rumo, apenas os barulhos dos meus passos na rua podem ser ouvidos, as pisadas nas folhas secas e pedras na calçada, ecoam no profundo silêncio desta noite, o leve som da minha respiração, que se perde entre o capuz do meu casaco e o universo a minha frente.

Olho mais uma vez para o céu, gosto de observar as estrelas, elas parecem tão radiantes e livres, eu queria ser como as estrelas, com meu próprio brilho e livre para embelezar céus e mares.

O vento gélido sopra em meu rosto, tento defender escondendo parte do meu rosto nas minha gola, guardo minhas mãos nos bolsos do casaco, e continuo minha jornada desta noite sozinha.

Já passa das 02:00h da manhã, e eu continuo a rodar pelo bairro, sem sono, cansada de permanecer na rotina dos meus dias, de casa para o trabalho, do trabalho para a faculdade, da faculdade para casa, e assim sucessivamente até chegar o final de semana, que resume-se em de casa para o mercado, do mercado para casa, ou apenas do quarto para a sala, e da sala para qualquer outro lugar da casa, voltando novamente para a minha cama.

Não que eu não goste de ficar no meu quarto, meu mundo inteiro está nele, meus livros, minha cama, minhas séries, tudo o que torna o mundo mais bonito para mim.

Fazem alguns anos que vivo sozinha, não por opção própria, foi por precisão, ou melhor foi por sobrevivência, a pior dor da vida é saber que as pessoas que deveriam te amar são as mais tóxicas para você, elas sugam suas energias boas, te entristecem, te tornam um buraco vazio e ainda dizem que a culpa é somente sua.

Deve ser verdade, talvez sejamos os grandes culpados, por sentir demais, amar demais, se preocupar demais, se importar demais com os outros ao invés de si mesmo.

Essa deve ser minha doença, ser uma pessoa intensa em tudo.

Chuto mais uma pedra, acompanho seu rolar até esbarrar e parar em outra pedra maior.

Estou cansada dessa vida, estou cansada dessa rotina, estou cansada dessa cidade, dessa mesmice, dessa gente com pensamento ultrapassado.

Tenho um bom dinheiro guardado, não tenho amigos, minha família finge que não existo, não iria causar mal nenhum se eu decidisse ir embora, não tenho nem um cachorro para me preocupar, isso é lastimável, minha vida é lastimável, eu sou lastimável.

Decido voltar para casa, o silêncio continua mórbido como toda noite, ruas vazias, casas adormecidas como seus donos, viro a esquina e tudo parece se repetir, depois de um tempo percebo estar a duas quadras de casa, nem tinha percebido que havia dado uma volta tão grande, chegando perto de um prédio escuto barulhos estranhos, eu e minha maldita curiosidade, reduzo o passo, aproveito minha habilidade de não fazer barulho com meus passos, aproximando-me do beco que ficava entre dois prédios, eu deveria ter ignorado e ido para casa, mas a imagem daquele momento ficará na minha mente para o resto dos meus miseráveis dias, um homem estava estirado no chão, gemendo de dor, ao seu redor uma poça de sangue estava se formando.

Me aproximei devagar, o homem parecia estar tentando achar algo em seus bolsos, entrei em seu campo de visão, ele se alarmou em um primeiro momento e depois deu um audível suspiro de alívio.

- Olá garota, pode me ajudar? Estou ferido como pode perceber e não estou conseguindo pegar meu celular para chamar ajuda, poderia pegar para mim? Está no meu bolso esquerdo, mas não estou conseguindo movimentar meu braço esquerdo e não estou conseguindo alcançar com o direito.

Fiquei congelada por um instante, mas aqueles olhos negros como a noite me instigavam a ir até onde ele me permitisse, eu deveria ligar para uma ambulância e ir embora, ir para a segurança da minha casa, mas eu simplesmente não conseguia ser racional naquele instante, então apenas assenti e agachei-me ao seu lado, tomando todo o cuidado possível para não encostar em seus ferimentos e peguei o celular em seu bolso.

- Por favor, encontre o nome de Doctor nos contatos, e passe o endereço daqui, seja rápida, estou ficando sem forças.

Seu desespero e seu pedido de súplicas deixaram-me em pânico, comecei a procurar o nome, entre vários nomes exóticos encontrei o que ele pediu, coloquei para chamar, nesse meio tempo segurei sua mão como um pedido para que ele permanecesse comigo.

"- Alô Death?"

- Alô Doctor? Preciso de ajuda, encontrei este homem ferido, é urgente, ele está perdendo muito sangue, venha para o endereço que estou enviando por mensagem, por favor venha o mais rápido que puder!

"- Ok, já estou a caminho."

Assim ele desliga a chamada, envio a mensagem com o endereço e fico olhando para a tela do aparelho até que a mesma desliga sua luz, faço um pedido aos céus para que a ajuda chegue logo, olho para o homem ao meu lado e o encontro fitando a mim.

- Você é muito gentil em ajudar-me, muito obrigado, sua voz melodiosa acalmou-me, por favor converse comigo, diga-me seu nome.

Será que ele é mesmo confiável? Por que não liguei para uma ambulância como qualquer outra pessoa faria? Mas esses olhos negros, tem um ar de suspense que fazem com que eu perca minha sanidade, que aqui entre nós nunca foi lá das melhores.

- Luna.

Mal consegui falar, meu nome saiu quase como um suspiro.

- Luna, bonito nome, combina com a dona.

E sorriu mesmo em meio ao sofrimento, um sorriso que iluminou todo o espaço, como as estrelas iluminam o céu.

Ficamos nos encarando por um tempo, até que escuto barulhos de motos e carros.

- Por favor Luna, esconda-se atrás daquela lata de lixo, só saia de lá quando eu fizer um sinal, pode não ser pessoas confiáveis, vá agora!

Então ele largou minha mão, fiquei sentindo um vazio inexplicável, levantei a contragosto e fiz o que ele pediu, fiquei escondida, mas tendo visão dele.

As motos pararam e o carro também, passos apressados foram chegando cada vez mais perto, e a cada passo mais o meu coração acelerava.

- Snake! Rat! Que bom que chegaram, vamos ajudem-me, depois explico o que aconteceu.

Assim fizerem primeiros socorros estancando o sangue e o levantaram, eu fiquei o vendo ser amparado pelos seus amigos, já de pé ele olha para mim e sorri mais fraco que antes, mas ainda assim incrivelmente lindo, considerando seu estado.

- Venha Luna! Eles são confiáveis, quero que venha conosco, você foi a minha salvação quero recompensar, venha por favor.

Sua alegria de estar sendo salvo, deu espaço para um olhar de angústia, quando percebeu que não me movia.

Outro cara enorme chegou perto pegando-me pelo braço e arrastando-me para fora do meu esconderijo.

- Killer, solte-a, não vê que está a machucando! Depois de tirarem essa bala de mim e eu ver que ela está com algum roxo, eu mesmo vou te deixar mil vezes pior!

Ele esbravejou, tenho certeza que meus olhos ficaram arregalados, quase saltando fora do meu rosto.

- Agora vamos embora, eles podem querer voltar para ver se o trabalho está mesmo terminado, e Luna, você vai comigo, sem discussões.

Assim fui levada para um carro e colocada ao lado do homem que eu ainda nem sei o nome, apenas sei que o chamaram de Death, mas isso significa morte, e todos eles tem nomes exóticos, e coletes, e motos, pânico é pouco, o que eu estou sentindo ainda não tem nome.

- Luna olhe para mim, respira fundo, eles não irão fazer nada de ruim para você, você é minha protegida agora, está tudo bem, estamos indo para o complexo onde moramos, é um lugar seguro, e eu estarei sempre contigo, sempre segure minha mão que eu prometo que tudo ficará bem, sempre.

Não era eu que estava em busca de uma vida diferente? Era.

Mas agora estou morrendo de medo e querendo voltar para o meu cantinho, para a minha vidinha monótona, não no meio de um monte de homens com cara de quem vai dizimar uma cidade inteira, mas tudo bem, não entrarei em pânico, vamos lá, farei disso um mantra, nada de pânico, nada de pânico.

Ok, já estou em pânico.

LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora