Capítulo 77

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Antes eu nem pensava em lutar, era algo praticamente fora de qualquer possibilidade na minha vida, depois eu lutava por treinamento, por exercício físico diário obrigatório de um soldado da máfia, agora eu ia lutar pela minha vida, para finalizar mais uma página e voltar para casa, o destino estava pregando peças terríveis, mas aqui estava eu, pronta para colocar em prática tudo o que aprendi com os melhores dos melhores lutadores do mundo.

Mas eu não estava feliz, não estava completa, como sempre lá estava eu estragando tudo o que acontecia de bom, destruindo todas as pessoas boas que passavam pelo meu caminho, toda a ajuda que eu tive, todo o acolhimento e eu não soube retribuir como devia.

Tudo o que eu precisava era ser sincera, na medida do possível.

Abro uma pequena fresta da porta, para confirmar que era mesmo Juan.

- Está quase na hora, precisa aquecer.

Disse já entrando na sala.

Ele larga uma bolsa sobre um dos bancos e retira manoplas e aparadores para treino.

- Vamos aquecer, vou dar os comandos e você dá os golpes.

Sem abertura para conversa, curto e grosso.

Por alguns minutos realizamos um treino para aquecer e logo dava para escutar os autofalantes anunciando as lutas, e chamando para que fizessem as apostas.

- Preciso que me ajude a prender todas as pontas e tecido do meu meio-niqab, de forma que não corra o risco de se soltar ou cair, eu tenho algumas joaninhas de prender tecidos, pode prender a parte de trás para mim?

- Claro.

Assim prendemos todas as voltas, todas as pontas, para evitar qualquer problema, tudo teria que sair conforme o planejado, se não o desastre seria ainda pior, as coisas podem ser ainda mais complicadas e perigosas se não saírem como o esperado.

- Precisa de alguma coisa? Água antes de ir? Tem tudo o que precisa?

- Acredito que sim, mas água sempre é bem-vinda.

- Certo, vou providenciar, assim que sairmos para a luta, já irei levar suas coisas até o veículo que preparei para te levar até o avião que irá te levar embora.

- Muito obrigada.

- Preparada?

- Sim.

Eu me sentia como um animal indo para o abatedouro, meu coração estava absurdamente acelerado, minhas mãos estavam suando, mas era o meu momento de voltar para casa.

Estava tudo escuro, corredores, arquibancadas, tudo exceto os holofotes que iluminam o "palco" das lutas, o barulho era ensurdecedor, pessoas conversavam juntas, gritos de incentivo de torcedores para quem estava lutando, vaias dos contrários, risadas dos ganhadores das apostas, lamentos de quem perdia.

- A próxima luta é a de vocês, a luta mais importante da noite, com as apostas mais altas e toda a torcida está contra você, acredito que saiba lidar com pressão de pessoas, mas ainda assim eu quero falar para você ficar tranquila, e ignorar tudo isso, se aceitou o desafio é por ser preparada, então vai lá e faz o que veio fazer.

- Agradeço pelo apoio, e mais uma vez me perdoa por tudo.

- Agora não vale mais a pena se lamentar ou qualquer outra coisa, perdeu o momento.

Uma sirene toca muito alta e uma voz anuncia a próxima luta, sou chamada, e minha adversária também, sem maiores rodeios entrei no ringue, Juan ficou próximo, eu sei que ele está ferido pelas minha ações, mas ainda assim ele faz sinal de incentivo e agradeço com um aceno de cabeça, eu estava fervendo com todo aquele tecido em meu corpo, mas não podia destruir o disfarce, não agora na hora de "h".

Ativei meu modo automático, a máquina construída pela máfia, sem erros, sem tempo para questionamentos, só ação certeira, planejada de maneira rápida, ação e reação, os movimentos eram todos como uma dança, memória muscular, sem muito esforço, tudo muito técnico, calculado, rápido, socos, chutes, esquivos, sem falhas.

Nem percebi quanto me seguraram, ela estava no chão, apagada, mais um ou dois golpes poderia estar morta, o ginásio estava em silêncio, um silêncio tão profundo, olho para as minhas mãos cheias de sangue, mas esse sangue não era meu, não levei golpes, não senti nada além de um vazio o qual construí com o tempo e treinamento.

Fui anunciada como vencedora, o dinheiro foi recolhido por Juan, fui puxada para fora do ringue por ele, antes que qualquer um tentasse chegar até mim por conta da derrota da preferida deles, ele me levou para fora, para longe do ginásio, me colocou dentro de um carro e saiu dirigindo o mais depressa possível, da forma que ele me colocou no banco eu fiquei, olhando para minhas mãos, a adrenalina em alta, tudo estava distante.

- Ei, volta para a terra.

Eu escutava ele me chamando, eu sentia a sua mão na minha perna tentando me acordar, mas eu não estava dormindo, eu só estava dentro do meu transe, era sempre assim, mesmo fazendo tudo perfeitamente, eu sentia que não era boa o bastante, a ansiedade fazia isso comigo, uma crise estava querendo chegar em mina garganta, mas não era a hora, eu estava finalmente voltando para casa.

- Estou ficando preocupado contigo, pode fazer algo para mostrar que está viva? Está ferida?

- Estou bem, só precisava de um momento.

- E esse sangue nas mãos?

- Não é meu.

- Estamos até a aeronave que irá te levar, daqui a alguns minutos nunca mais nos veremos, e isso tudo ficará no passado que será esquecido, e você poderá ser quem seja lá o que for, bem longe daqui.

- Como quiser.

Eu não estava em condições de ser educada e gentil, se ele queria que fosse assim, assim seria. O trajeto parecia ser mais longo do que realmente era, mas chegamos, estava perto de mais um fim nessa história, infelizmente, esse seria mais um sem um final feliz. Paramos em um local escondido, mas não suspeito para chamar atenção.

- Aqui nos separamos, vou ajudar a levar suas coisas.

- Não precisa, apenas pegue a sua parte do dinheiro, tenho poucas coisas para carregar, pode deixar que eu mesma levo.

- Eu insisto, vou te acompanhar até embarcar.

- Pode ser perigoso, se eles estiverem suspeitando de algo, isso será um chamarisco, eu vou sozinha, consigo me camuflar melhor sozinha.

- Certo.

- Obrigada por tudo, e me perdoa mais ainda.

Separo parte do dinheiro e deixo no banco de trás, eu sabia que se esperasse por ele, ele não iria ficar com nada daquele dinheiro, mas eu precisava deixar para me redimir ao menos um pouco, pego minhas coisas, dou um pequeno aceno com a mão e recebo um pequeno gesto de cabeça, viro as costas e sigo em direção ao avião que ele havia indicado.

Estou voltando para casa.

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⏰ Última atualização: Jul 03 ⏰

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