Capítulo 55

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Uma mão pousa delicadamente no meu ombro, não precisava nem olhar para saber quem era.

- Luna, era isso que eu precisava que fizesse, confessasse, colocasse para fora, queria saber o teu lado da história, não para julgar, mas para entender o que ocorreu, eu sabia exatamente tudo o que você fez e o que se passou naquela época, eu tenho nomes, datas, endereços, e o que aconteceu com cada uma, se quiser saber eu deixo que leia todo o dossiê que levantei sobre isso, mas acredite, nada é tão errado se for para salvar a sua pele, e naquele momento era a única coisa que poderia ter feito, a vida nos coloca em posições que somos obrigadas a arrumar uma saída, saída essa que pode não ser a mais indicada, mas talvez seja a única que temos.

Eu não conseguia olhar para a Mirka, tudo  que ela falava não fazia sentido para mim.

- Não estamos aqui para te julgar, afinal somos a máfia, fazemos coisas questionáveis a cada segundo do nosso dia, estamos aqui para te entender e te ajudar, você admitindo que era algo errado já é um enorme passo, saber que não concordava com isso, que se arrepende já é sinal de que você não é igual seu pai, não é uma pessoa ruim, é apenas uma sobrevivente das circunstâncias.

Continuei sem olhar para ela, ouvi apenas um suspiro fundo e um rosnado engasgado.

- Mirka pode me deixar falar sozinho com ela?

- Claro Dim, vê se consegue fazer ela enxergar a luz no fim do túnel, ela não é culpada, é só uma peça nesse tabuleiro da vida, que foi muito injusta com ela, e principalmente Luna, eu admiro que tenha se mantido firme e forte, em silêncio com todas as provações que te coloquei, provou que és de confiança.

- Como fala bonito hein senhorita.

- É meu charme.

Até eu acabei soltando uma pequena risadinha  e olhei para eles.

Ela piscou para ele, ele deu um sorriso em cumplicidade, eles eram incríveis, e eu passei todo esse tempo perdendo de estar com eles, talvez hoje tivéssemos uma boa amizade, mas eu sempre estrago tudo.

Ela saiu sem mais nenhuma palavra, nem gestos, apenas caminhou até a porta saindo. Dimitri a seguiu fechando a porta e voltando para a varanda.

- Então pequena encrenqueira, por que não nos contou antes, ou melhor por que não me contou tudo isso antes?

- Não tive coragem, tinha medo de ser julgada, de que me rejeitassem, achassem que eu sou  uma aberração, uma pessoa ruim, essas coisas do tipo, ninguém costuma se colocar no lugar do outro para entender os motivos de fazer seja lá o que for.

- Pequena, somos a máfia, mexemos com drogas, armas, tráfico, mortes, somos os marginais da alta sociedade, acha mesmo que iríamos nos importar com isso? Julgar uma criança, por tentar não ser estuprada pelo próprio pai ou sei lá mais quem? Você mesma falou que elas concordavam e iam por dinheiro, você não obrigava elas, elas iam por vontade própria, e pau no cu de quem não aceitar isso, se elas já não tivessem essa "fama" de fazer, seja o que for, por dinheiro, você não as teria procurado, não teria feito a proposta e elas não teriam aceito, ou você apontou uma arma pra cabeça delas e as fez fazerem isso?

Nesse momento eu já estava chorando desesperadamente, apenas balançava a cabeça, não conseguia falar, tinha ensaiado esse momento a tanto tempo, todos esses meses eu criava e recriava todas as possíveis falas, as possíveis ações, mas isso tinha saído fora do meu controle, isso não era nada do que eu tinha imaginado.

Dimitri veio até mim, me ergueu e puxou meu corpo para seus braços, um abraço quente e reconfortante, suas mãos passeavam calmamente pelas minhas costas em um ato de me tranquilizar, agarrei sua camiseta em seu peito com as duas mãos, encostei minha cabeça e soltei um grito que foi abafado por minha boca estar entre minhas mãos e seu peito.

Ele me abraçou ainda mais forte e beijou o topo da minha cabeça, eu soluçava, lágrimas e mais lágrimas desciam pelo meu rosto incessantemente.

Ficamos assim, não sei por quanto tempo, só sei que ele ficou ali, enquanto meu choro foi reduzindo, deitei minha cabeça em seu peito, ele afagou meus cabelos como quem cuida de uma criança que caiu e ralou o joelho, meu coração antes agitado por ansiedade, agora acompanhava o ritmo tranquilo do dele.

- Luna.

- Sim.

Minha voz estava rouca, quase não conseguindo responder.

- Pode ser que não tenha percebido, mas eu nutro sentimentos por você.

Afastei e olhei para ele, sereno, não era aquela fachada fria e ameaçadora, era apenas um homem, lindo, educado, um exímio cavalheiro.

- Como assim sentimentos?

Ele levou sua mão até meu rosto, secou minhas lágrimas que ainda estavam por ali, colocou meu cabelo atrás da orelha, olhou profundamente em meus olhos, tudo estava ali, era claro como a água eu podia ver isso escrito em seus olhos, mas eu não sabia decifrar.

- Eu sei que ama outro, que seu coração é comprometido, mas eu gostaria que soubesse que eu gosto de ti, do seu jeito divertido, sarcástico e responsável, as vezes nem tanto assim, seu olhar transparente com sua alma, que aprendeu a fechar as portas para se defender, gosto da mulher que se tornou desde que chegou aqui, gosto da sua força de vontade, do seu espírito de buscar justiça, de querer ajudar quem ama, de proteger quem está ao seu redor, eu gosto de você e simples assim, gostaria de pedir uma chance, mas eu sei que do outro lado do oceano tem alguém te esperando, e eu não me perdoaria jamais em te fazer escolher entre um e outro e viver amargamente e infeliz caso escolhesse a mim, só queria que soubesse disso, ainda estarei aqui para você, ainda serei seu amigo, ainda serei seu porto seguro se precisar, mas eu precisava colocar para fora o que estava entalado em minha garganta a tempos.

Ele se declarou, era a primeira vez que alguém se declarava para mim, eu não sabia como reagir.

- Dim, eu estou surpresa e confusa, me pegou desprevenida, eu não estava esperando por isso.

- Eu sei, não era a melhor hora, mas eu precisava falar agora que tive coragem, só me desculpe, vamos fingir que isso nunca aconteceu, e seguimos com a amizade.

Eu não pensei, só agi, quando dei por mim estava o beijando apaixonadamente, era um beijo doce, calmo, daqueles que aquecem o coração, eu nunca havia sentido isso antes.

Eu estava encrencada, muito encrencada.

LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora