Capítulo 45

660 57 1
                                    

Nunca havia viajado para fora da cidade, nunca havia saído do estado, imagina viajar para fora do país, e ainda mais viajar de avião, e pior ainda atravessando um oceano, eu sempre sonhei como seria, como seria estar sobre as nuvens, mas todo o encanto que eu havia imaginado, desapareceu, eu não tinha vontade de viajar, não estava aproveitando nem um pouco essa saída do país, mesmo sendo um dos meus maiores sonhos, no momento foi o meu pior pesadelo.

A viagem para a Rússia hoje vejo que passou como um piscar de olhos, não prestei atenção, poderiam ter passado dias, semanas, meses, anos naquele avião e eu não teria percebido, não aproveitei a viagem, não curti a experiência de estar sobre as nuvens.

Eu não queria estar ali, não entendia o que estava acontecendo, como havia acabado no meio disso.

Em um dia eu estava em casa, com uma vida de merda, com uma rotina massacrante, no dia seguinte encontro um homem morrendo, presto socorro a ele, vou parar em um clube de motoqueiros, brigo com vadias, descubro que tenho um irmão, minha casa é destruída em um incêndio, reencontro o garoto que amei desde sempre, mas agora ele era um homem, o homem que eu salvei, sou jogada em um plano absurdo, mandada para longe de casa, sozinha, para um lugar onde não conheço ninguém e muito menos conheço o local.

Minha perna foi tratada, uma queimadura não tão grave, mas deixará uma cicatriz, ossos do ofício, como diria o ditado.

Assim iniciou a vida de uma criminosa, ou de uma heroína? 

De qualquer jeito estava compactuando com um traidor, então vendo por este ponto de vista, salvando ou destruindo, serei uma traidora, querendo ou não.

Isso é justo? Valia realmente correr esse risco? Abrir mão de tudo o que eu sempre quis, amor, família, segurança, para isso? Será que é mesmo isso que eu deveria estar fazendo?

A dor na minha perna, pensamentos confusos, avião que não pousa nunca, minha cabeça querendo explodir, precisava dormir, ou me mexer, ou sair correndo, eu não ia aguentar, nem se quer sabia pedir um medicamento em russo, como sobreviveria lá?

- Vejo que está ficando agitada, está com dor? Precisa de alguma coisa?

- Estou com dor e entrando em uma crise de ansiedade, por favor teria algum medicamento?

- Sim, irei providenciar, inclusive, pode pedir qualquer coisa, falamos vários idiomas, a compreendemos muito bem, não se preocupe, será bem cuidada e bem trata, ordens expressas do chefe da família.

Ao menos uma notícia agradável em meio a um turbilhão, o rapaz saiu e momentos depois retornou com medicamentos e um copo de água, o gosto amargo desce como doce pela garganta, eu preciso de um descanso, um tempo bem dormido.

Respirei fundo incontáveis vezes tentando manter minha ansiedade controlada, fiquei olhando pela janela tentando me concentrar para dormir, deixando o remédio agir, lentamente, a visão das nuvens foram relaxando meu corpo, aos poucos meus olhos foram pesando, então eu dormi, profundamente.

Tempos mais tarde senti que alguém carregava meu corpo, eu queria acordar, mas meus olhos não abriam, eu ouvia vozes, mas não compreendia nada, devíamos ter chegado, o frio que batia em meu rosto acusava isso, eu não tinha preparo nenhum para encarar frio rigoroso.

Senti ser colocada sobre um banco, provavelmente um carro, logo depois senti estar em movimento, com a suavidade do deslizar do carro na estrada, o som distante de outros veículos, o som dos pneus no asfalto, fui levada ao sono profundo novamente, e  isso era o melhor que poderia acontecer na minha vida considerando o momento em que estava.

Senti alguém me cutucar, inferno, que coisa bem chata.

- Acorda coisinha.

- Coisinha é o capeta.

- Não fale mal de quem não está aqui para se defender.

- Vá para o inferno.

- Todos vamos, se isso existir de verdade, ninguém é tão puro para se safar dessa.

Abro os olhos dando de cara com um par de olhos azuis mais claros e mais lindos que já vi em todo o universo.

Eu estava ainda no banco do carro, levanto desajeitadamente, dores por todo o meu corpo, isso claramente iria me atormentar por um tempo.

- Isso, agora levante, vamos, Mirka está te esperando, está super ansiosa para conhecer a cunhada.

- Quem?

- Você, o seu irmão é namorado de Mirka, não é?

- Sim, meu irmão, ainda não me acostumei com isso.

- Não se acostumou a ter uma cunhada?

- Não, não é só isso, não me acostumei a ter um irmão.

- Como assim?

- Longa história.

- Outra hora você me conta.

- Quem é você?

- Ninguém, agora silêncio, chegamos, entre.

- Entrar? Assim? Como se você mandasse em mim.

- Você não está na sua casa, nem em seu país, aqui você não exige nada, você apenas obedece.

- Você não coloca medo em mim.

- Pode ter certeza que não estou nem tentando fazer cócegas em seu sistema nervoso.

- O que quer dizer?

- Se eu quisesse te colocar medo, você não estaria nem de pé.

Um arrepio correu por meu corpo, a forma como ele me olhou naquele momento, a frieza que senti em suas palavras, soava alto como um aviso de perigo.

- Entre.

Entrei, não questionei mais, apenas obedeci, não tive coragem de olhar para os lados, apenas olhava para o chão e me deixava ser guiada pelo homem ao meu lado que mantinha levemente uma de suas mãos em meu braços.

Chegamos em uma sala enorme, olhei rapidamente sem prestar atenção na decoração e muito menos nos móveis.

Escutei palavras fortes e grossas, pareciam vir de um homem mais velho, a forma a qual falou pareciam ordens, mas totalmente em russo, o que não pude entender nada.

Mas a voz marcante que escutei deu arrepios tremendos na minha espinha, era uma voz de morte, agradeci mentalmente em não ter que falar com essa pessoa.

Fui levada para um corredor que parecia não ter fim, ele parou em uma porta a direita, mais ou menos na metade do corredor, abriu e deu passagem para que eu entrasse.

- Mudança de planos amanhã pela manhã virei lhe buscar para falar com Mirka, não se preocupe aqui está segura, nada irá lhe acontecer e muito menos alguém irá fazer algo a ti, é uma pequena suíte, incluindo um frigobar com alimentos e bebidas, caso tenha fome, a televisão deve ser conectada em uma rede a cabo que possui seu idioma, a programação normal é toda em russo, mas tem um manual de como programar, se precisar pode pedir ajuda, só para informação, a última porta do corredor a esquerda é meu quarto, caso precise de ajuda, pode bater na minha porta.

Assim saiu e fechou a porta atrás de si, me deixando sozinha, perdida e com muitas questões.

LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora