3.Gilbert

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Quando desci as escadas, Anne se levantou com prontidão. Eu sabia que ela reconhecia meu perfume a quilômetros de distância. Ela estava muito bonita naquele dia, os cabelos soltos com cachos nas pontas e um vestido verde rodado com alças finas. Ela não usava nenhuma maquiagem no rosto e eu sabia pois conseguia ver todas suas sardas, e eu sempre admirei o quanto Anne era bonita naturalmente. Nos encaramos por alguns segundos, até ela perder a paciência e me puxar pra fora de casa. Aquele era meu aniversário e Anne estava dizendo que havia preparado alguma surpresa pra mim, não sei como ela conseguiu planejar isso sem que eu descobrisse já que eu consigo ler cada um dos pensamentos dela.

Enquanto andávamos na rua, ela falava sobre tudo que ela conseguia, mas nenhuma daquelas coisas era o que eu realmente queria ouvir.
Eu era perdidamente apaixonado por Anne desde que nos conhecemos. Começou como um amor infantil, então uma paixão adolescente, e depois passou a ser um sentimento incerto. Eu sabia que ela provavelmente não sentia o mesmo, mas nunca a pressionei com relação a isso, sempre me forcei a lembrar que ela era minha melhor amiga em primeiro lugar.
Contando 6 meses a partir daquele dia, iriam fazer 20 anos que eu e Anne fizemos uma aposta de que ficaríamos juntos se não tivéssemos ninguém... Bom, eu não tinha ninguém, acredito que ela também não, e ela "não quebra promessas", como ela sempre dizia. Meu plano era tentar conquistar ela aos poucos nesses 6 meses, e meu único medo era botar tudo a perder, inclusive nossa amizade.

Quando estávamos perto de uma esquina, Anne me virou de costas pra rua.
— A partir daqui, você não vai poder ver.
— Seu presente de aniversário pra mim é fazer com que eu seja atropelado? Adorei.
— Não, besta! Vou te guiar até o x do tesouro, agora fecha os olhos e começa a andar pra trás, cuidado com o degrau.
Obedeci a ruiva e seus comandos. Senti que meus sapatos agora pisavam em grama e ouvi cochichos.
— Oh, princesa Cordélia, já posso abrir?
— Pode!
Quando abri os olhos, Anne segurava um bolo com uma vela acesa. Olhando ao redor, vi rostos que nem lembrava a última vez que tinha visto: Ruby, Jane, Josie, Moody, Billy, Cole, Tillie, Jerry e Diana. Anne sabia o quanto eu sentia falta deles, me segurei pra não me emocionar enquanto eles cantavam parabéns pra mim.
— Faz um pedido e assopra a velinha, Gil.
Mais uma vez, eu obedecendo ela. Fiz um pedido com toda a convicção que ele ia se realizar e assoprei a vela. Anne colocou o bolo sobre uma mesa e veio me abraçar.
— Eu te amo, minha lua — ela falou, enfiando os dedos no meu cabelo.
— Também te amo, meu sol.
É, Anne me amava, só não era da maneira que eu desejava. Conversei com todos, eles pareciam muito bem. Tão diferentes, mas algo neles ainda me lembrava as crianças que éramos há muitos anos.

Um tempo depois, me sentei na grama encostado em uma árvore, em um lugar onde eu conseguia ver todos eles. Respirei fundo e senti o ar gelado entrar em meus pulmões. Eu tinha tudo! Ou quase tudo. Eu tinha um bom emprego como sargento na delegacia de Avonlea, tinha pais amorosos, uma casa só pra mim, tinha poucos amigos mas eles me bastavam, e eu tinha Anne... 'Tinha" entre aspas, pois a qualquer momento ela poderia encontrar um amor e eu não a teria mais. Eu não gostava de pensar nessa possibilidade. Enquanto eu observava todos de longe, Moody se aproximou de mim, sentando ao meu lado.
— E aí, Blythe! Quanto tempo, não é?
— Sim... Mal nos falamos depois do ensino médio! Como você tá? O que anda fazendo da vida?
— Eu estou bem, estou dando aula de idiomas na escola daqui, a mesma que a gente estudava, sabe?
— Sério? Que legal!
— É. Às vezes consigo ver fantasmas nossos correndo pela escola. Você é sargento né? É um bom emprego, sempre achei você durão. Eu estou namorando com Ruby, faz um bom tempo.
— Vocês se gostam desde o fundamental se não me engano, certo?
— Você e Anne se gostam desde antes. Então, estão juntos?
— Olha, a Ruby está passando mal!
Vimos que Ruby sendo ajudada pelas amigas e fomos até lá, Jane segurava seu cabelo e tinha uma expressão preocupada.
— Amor, acho melhor nós irmos agora, vem — Moody falou.
Ele se despediu e levou Ruby pra casa, percebemos que já estava tarde e decidimos ir embora também.

Caminhei com Anne até em casa conversando sobre aquela noite, que aliás, estava uma noite linda. A baixa iluminação de Avonlea ressaltava o brilho das estrelas e da lua. Eu caminhava com o braço sobre os ombros de Anne, qualquer um que nos visse podia jurar que somos um casal. Eu e ela não tínhamos o costume de dar tchau, sempre deixamos a conversa em aberto para continuarmos depois.
— Chegamos, donzela.
— A lua é linda, não é Gil?
— Você é mais.
Dou um beijo na sua testa e dou as costas para ir pra casa, sem conseguir domar o sorriso que invadiu meu rosto.

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