32. Gilbert

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O cheiro de carne assando pairava por todo o meu quintal, a fumaça perto da churrasqueira embaçava a minha visão. Ainda assim, eu conseguia ver Anne e Diana conversando de longe. Meu pai cortava carne ao meu lado, e pediu para eu prestar atenção para não queimar nada.

— Não acredito que meu único filho vai casar, já estava na hora, hein.
— Demorou, mas o dia chegou.
— Espero que já esteja planejando encher minha casa de netos!
— Então, pai. Sobre isso...
— Blythe! — uma voz feminina me chamou, só percebi quem era quando virei.
— Winifred, você veio!
— É claro! Anne atendeu a porta para mim. Não ia perder isso por nada.
— As coisas que você fala podem ser mal interpretadas facilmente.
— Quem pode ser mal interpretado? — Davy perguntou, chegando subitamente e deixando alguns pratos sobre a mesa.
— Eu! — Winifred respondeu.
— Ah, legal — ele parecia desligado — Anne disse que quer conversar com todo mundo depois, aposto que ela vai dar pra trás com o noivado.
— Não pode uma coisa dessa! — Moody chegou na roda, segurando Iris pela mão.
— Não é isso, parem de doideira — respondi.
— Já sabem o que a Anne quer falar? — Jerry perguntou, se juntando às pessoas que se aglomeravam ao meu redor.
— Vocês estão me sufocando, por acaso estão querendo um autógrafo?
— Eu quero! — Cole gritou.
— Você veio...— Davy se dirigiu a Cole com um sorriso bobo.
— Se estiverem tentando sufocar o Blythe, eu ajudo com prazer.
— Nathalie, quando você chegou? — perguntei.
— Tô aqui faz tempo, e você?
— Você é bem engraçada, certeza que vai se dar bem com a Winifred — apontei para Winifred.

Winifred e Nathalie se cumprimentaram, timidamente. A conversa delas começou em assuntos triviais como "de onde você é?", "o que faz da vida?". Logo pude observar de longe que elas riam como se não fosse a primeira vez que elas se vissem.
— Blythe me chamou para ser madrinha — Nathalie comentou.
— Sério? Por que ele também me chamou.
— Resolvam isso no pedra papel e tesoura, ou simplesmente sejam duas madrinhas, estamos no século 21, acordem!
Deixei elas lá e fui interromper a conversa de Anne e Diana, que estavam sentadas na sombra do deck.
— Quando você vai contar? — perguntei, sentando ao seu lado.
— Meu pai e Nancy não chegaram ainda, eles foram buscar um monte de gente. Meu tio—avô Matthew, vó Marilla, tia Bethany, tio Clyde...
— Quantos tios você tem? Só tenho um e ele não pôde vir.
— Vários, agora espera.

Quase não percebi que Diana segurava a filha nos braços, até que o bebê começou a chorar.
— Você realmente ensinou ela a me odiar? Nunca duvidei, mas achei que iam demorar alguns anos.
— Não brinco em serviço, cunhadinho. — eu conhecia muito bem aquela entonação de "estou brincando, mas nem tanto" — A última vez que vim aqui, nós fofocamos sobre o Jerry não querer casar comigo, olha como a gente está hoje! 7 meses passaram como anos...
— Falando em fofoca... — puxei a cadeira para mais perto delas — Davy e Cole estão juntos?
— Eu acho que sim. — Anne comentou. — Josie me contou que ela e Davy tiveram um namoro de fachada uns anos atrás, mas eu nunca imaginei que fosse fachada.
— Acho que eles não são coisa recente — Diana falou, balançando a cabeça — Anne devia perguntar.
— Eu?!
— É! — eu e Diana falamos ao mesmo tempo.
— Você é prima dele — completei.
— A gente não fala dessas coisas, mas uma hora ele vai me contar.
— Tomara que o gene de fofoqueiro do Gilbert não vá pro filho de vocês.
— Filha.— corrigi — Se não tiver meu gene de fofoqueiro, vai ficar sem o melhor de mim.
— Se esse é o melhor, imagina o pior — Diana riu.
— Tomara que a Labelle não tenha seu gene de linguaruda.

Quando os incontáveis Shirley—Cuthberts chegaram, Anne chamou todos com o pretexto de "bater uma foto". Ela posicionou o celular em uma cadeira improvisando um tripé, e apenas eu percebi quando ela apertou o botão de gravar invés do que ativaria o temporizador.
— Ok, se juntem! — ela me puxou pela mão, nos levando para a frente de todos — No 3 digam "Anne está grávida", 1, 2...

Alguns queixos caídos depois, uma gritaria eufórica começou. A primeira pessoa a abraçar a Anne foi seu pai, seguido pela minha mãe. Foram longos minutos de comemoração e desejos de felicidade até que todos estivessem em seus ânimos normais novamente.
— Papai, hein! — Nathalie chegou em mim, rindo, e acompanhada por Winifred.
— Você me chamando de papai é uma imagem que eu quero esquecer urgentemente.
— A gente está de saída, papai. Estamos indo fazer "coisas de madrinha"!— Winifred brincou.
— Já estão amiguinhas? Aposto que estão indo rir de velhinhas ou roubar doces de crianças.
— Não seja tão ríspido, papai — Nathalie parecia meio bêbada, mas ela era assim naturalmente. As duas foram embora rindo.
Cole veio até mim parecendo preocupado.
— Você viu o Davy?
— Não, por que?
— Os pais dele estão aqui, ele está meio... Chateado.
— Ah, claro. Isso acontece nas melhores famílias. Se eu ver ele, eu te aviso. A propósito... Vocês estão juntos?
— "Somos só amigos" — ele falou, tentando me imitar. Claramente estava tentando me zoar.
— Haha, muito engraçado.

Encontrei Davy poucos minutos depois de seus pais. Deduzi isso pelas expressões dele, que pareciam divididas entre alguém que estava deixando de ficar aborrecido, ou se aborrecia aos poucos.
— Queríamos ter reagido de outra forma. — a voz da mulher soava calma, com a mesma suavidade que tocamos em uma ferida recente tentando não magoá-la. O homem mais velho, o único não ruivo entre os três, apenas consentia com a cabeça. — Foi um choque para nós, meu filho... Mas ainda temos nossos braços abertos pra você. Queremos que volte para casa, sentimos muito sua falta.
— Sua mãe está certa — o homem finalmente disse alguma coisa — Você faz muita falta em Toronto. Se eu pudesse voltar no tempo, teria tentado te entender.
— Sinto falta de casa. — Davy falou — Existem mil coisas que preciso pôr no eixo na minha vida, mas... Claro que vou voltar pra casa.
A conversa acabou em um abraço de reconciliação.

Achei que fosse impossível, mas deitar ao lado de Anne naquela noite proveu um sentimento novo. Eu estava adormecendo com a mão sobre sua barriga, e foi inevitável pensar em quanta coisa a gente já tinha vivido juntos, e quanta coisa a gente ia viver na nova fase da nossa vida. Ela virou de frente para mim e me despertou passando a mão no meu gosto.
— Sabe o que eu tava com vontade de comer?
Ia ser uma longa fase...

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