22. Anne

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Diana me ouvia atentamente enquanto eu contava com palavras embaralhadas tudo que havia acontecido desde o começo da noite, ela estava sentada na minha frente no seu sofá com um pote de sorvete apoiado na barriga, que já estava aparecendo, deixando claro que ela não era só uma.

— E ele te disse tudo aquilo de uma vez? O que ele tem na cabeça?!
— Não sei, Di... — falei me reencostando no sofá — Obrigada por me deixar ficar, mas você poderia ter mandado o Gilbert se foder quando ele te ligou às 2 da manhã, eu não ia ligar.
— Claro que não! Mas você tem sorte de que ela não me deixa dormir e me faz trocar o dia pela noite. Inclusive, ela está com soluço.
— Sério? — senti meus olhos ficarem molhados — Deixa eu sentir?

Diana revirou os olhos e levantou sua blusa, revelando a barriga e levando minha mão até o topo. Ficamos em silêncio, então senti um leve movimento e arregalei os olhos.

— Para de ser chorona, Anne.
— Mas é tão lindo!
— Lindo?! Quero ver quando for alguém dentro de você te tirando o sono por meses e meses.
— Que ranzinza.
— Tem alguém dentro de mim, Anne!
— Você não pode botar a responsabilidade toda nela, ela nem tem idade pra tanta responsabilidade ainda — falei rindo.
— Posso sim. Acho que tá na sua hora de dormir, você tá bem doida e eu não quero que se empolgue e acabe vomitando no meu sofá. Vou trazer toalha, lençóis e uma roupa pra você, ok?
Deitei a cabeça de lado, tudo foi ficando embaçado aos poucos. Não lembro de ver Diana voltando, mas na mesma velocidade que as imagens iam se dissipando, novas imagens iam se formando na minha frente.

Eu estava no hospital, como de costume, estava olhando para a enorme porta de vidro que fica em frente ao balcão de atendimento. Não havia mais ninguém, e eu só sentia um estranho pressentimento de que algo ruim estava para acontecer.
Quando aquela sensação chegou ao que imagino ser o máximo que eu poderia sentir, Gilbert apareceu na porta e andou com dificuldade na minha direção. As pernas dele estavam ensanguentadas e ele tinha uma expressão de dor.
Eu tentei me levantar e correr até ele, mas algo me prendia na minha cadeira. Não aguentei vê-lo caindo, então botei as mãos no rosto.

Aos poucos fui recuperando a razão e acordando, aquilo havia sido um sonho, ou pesadelo. Minha cabeça doía, meu corpo todo doía. A luz do sol invadia a sala de Diana e fazia meus olhos arderem.
Mais uma vez, ela estava sentada na minha frente, mas carregava um semblante preocupado.
— Anne, você acordou! Eu estava juntando forças para acordar você.
— Forças? — minha garganta doía, então minha voz era pouca, quase nenhuma — Aconteceu alguma coisa?
— Na verdade, sim.
Mal havia percebido, mas ela possuía um copo de água nas mãos, e me entregou enquanto eu tentava me levantar, ainda deslocada. Agarrei o copo de água com as duas mãos e esperei ela falar.
— Seu celular tocou de madrugada, acho que você não ouviu... Era do hospital.
— Eles querem que eu vá trabalhar? Olha, não vai rolar mesmo...
— Gilbert sofreu um acidente, ligaram pra você porque você é o contato de emergência dele.

O copo que estava em minhas mãos só não se transformou em milhões de cacos de vidro, pois Diana o tomou de mim antes que eu o derrubasse. A sensação foi dilacerante, eu não sabia o que pensar, nem o que fazer. Senti meus olhos pesarem, então os fechei e esperei que aquilo fosse outro pesadelo.

— Anne? Fica calma, sim? O Jerry foi acompanhar ele. Não precisa se desesperar, nós podemos ir agora mesmo se você quiser, mas aconselho que tome um banho e coma alguma coisa antes de irmos — ela falava enquanto passava a mão nos meus cabelos em um gesto maternal.

Tarde demais. Eu já estava desesperada, minhas mãos tremiam e meus olhos estavam embaçados, eu sentia um buraco sendo aberto no meu peito, como se eu estivesse sendo operada sem nenhuma sedação. Eu queria gritar, correr, me jogar no chão, mas a única coisa que a minha força me permitia fazer era fitar o vazio enquanto tentava alinhar meus pensamentos. Diana me abraçou e continuou afagando meus cabelos, ela conseguiu perceber que eu estava em uma confusão interna.

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