34. Davy

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As ondas lançavam rajadas de vento em nossos rostos enquanto o sol se punha em nossa frente. Cole lia um livro, apoiando sua cabeça em minha perna, enquanto eu o olhava. As pessoa que passeavam pela orla da praia nos olhavam torto como se fossemos incapazes de perceber aquilo.
— Nós estamos cometendo algum crime? — Cole perguntou, fechando o livro e ficando de frente para mim, apoiado em sua mão.
— Em alguns países, sim. Mas acredito que aqui não.
— Estão nos olhando como se sim.
— Quer ir embora?
— Claro que não. Não acha que já nos escondemos demais?
— Acho, mas imaginei que estivesse incomodado com os olhares.
— Estou, mas não somos nós que temos que mudar alguma coisa.

Ao invés de voltar a deitar em minha perna, ele se aproximou dobrando os joelhos e deitando a cabeça em meu ombro.
Já fazia um mês que havíamos voltado a sair juntos, e modestia a parte, eu podia perceber que o reconquistava dia após dia. Nosso sentimento guardado era tão inocente como o de anos atrás. Aquilo era puro e me fazia bem, mas eu não entendia o porquê disso causar tanto nojo nas pessoas. A parte boa de tudo isso é que nós não ligávamos.
A cada dia que passava, minha vontade de sair do lado de Cole diminua drasticamente, me fazendo repensar sobre voltar a Toronto mesmo sendo algo que eu sabia que devia fazer.

— Por que estamos aqui? Você não tem um jantar com a sua família hoje? vai acabar se atrasando...
— Você vai comigo — respondi.
Ele sorriu e virou o rosto para mim.
— Mas não é coisa de família?
— Não tem problema, você é bem vindo.
Ele voltou a deitar a cabeça em meu ombro. Logo me veio um aperto no peito, pois lembrei que ainda não havia o contado sobre minha intenção de voltar para casa.
— Precisamos conversar... — falei, encostando minha bochecha em seu cabelo.
— Pode dizer.
— Você sabe que eu conversei com meus pais e toda aquela situação se acalmou... E eles querem que eu volte pra Toronto.
Senti suas têmporas ficarem tensas, também percebi que ele engoliu seco.
— E você vai? — perguntou.
— Preciso ir. Tenho muitas coisas pendentes em Toronto.
— Okay...
— Tá tudo bem?
— Claro.
Não estava tudo bem. Pude ver a chateação em seu olhar, mas ele nunca diria aquilo.
— Acho melhor nós irmos, Anne deve estar esperando — ele falou e se levantou antes que eu pudesse terminar o que eu estava falando.
Apenas o segui, adiando o fim da conversa para depois. Dirigi sob o início de noite com ele ao meu lado, tamborilando os dedos na própria perna em sincronia ao som das músicas do rádio. Ficamos em silêncio até chegar na casa de Anne e Gilbert, onde todos já estavam. Com "todos", quero dizer: Anne, Gilbert, tio Walter e Nancy, sua namorada.

O bebê de Anne crescia como um pãozinho no forno, e eu já conseguia perceber que ele ou ela estava ali sem esforço. Anne e Gilbert andavam de um lado para o outro, levando pratos e outras coisas para a mesa.
Cumprimentei meu tio e sua namorada, Cole também o fez. Logo Anne veio até nós.
— Mamãe do ano! — brinquei com ela, a abraçando em seguida.
Gilbert pareceu surpreso ao ver Cole, mas não disse nada.
— Vou ao banheiro — Anne saiu, dando pulinhos corridos.
— De novo? Já é a quarta vez na última hora — Gilbert falou.
— Sim, ué. Se for ficar contando, vai se cansar — ela riu para nós e saiu.

Quando terminamos de jantar, Anne levantou com a mão sobre a barriga.
— Então, para não correr o risco do papai engasgar com a comida ou simplesmente ficar tão eufórico a ponto de não conseguir comer, decidi esperar para contar, e não consigo esperar mais...
— O que, minha filha? — Walter perguntou, começando a ficar nervoso.
— Você achou que ia ter um neto, certo?
— Sim, não vou?
— Na verdade você vai ter dois! São gêmeos!
— O que?! — ele começou a sorrir, se levantando para abraçar Anne.
— Que maravilha! — Nancy exclamou.
Cole estava tão chocado que não esboçou reação alguma além de um queixo caído, isso fez Gilbert rir da sua cara. Me levantei para juntar ao abraço de Anne e Walter.
— Tá brincando que eu vou ser tio de gêmeos, que loucura!
Anne limpou algumas lágrimas e se virou para mim.
— Aproveitando esse clima de alegria, eu queria aproveitar pra dizer que eu e Gilbert concordamos que você e Cole foram e são muito importantes para nós, e queremos saber se vocês aceitam ser nossos padrinhos.
Cole levou a mão ao rosto para esconder os olhos brilhando com lágrimas teimosas.
— É claro, sua besta! — ele disse.
— Concordo com ele.
Abracei Anne novamente, e Gilbert abraçou Cole.

Eu estava tão feliz pela Anne. Tínhamos quase a mesma idade mas eu me sentia extremamente protetor quando estava perto dela, e me confortava saber que ela estava vivendo de forma tão agradável.
No fim da noite, me ofereci para deixar Cole em casa e ele aceitou. Quando chegamos, desci do carro e o acompanhei até a porta do seu apartamento.
— Ainda não terminamos nossa conversa — iniciei novamente o assunto inacabado.
— Quando você vai? — ele perguntou sem olhar para mim, girando a chave e me dando espaço para entrar.
— Depois do casamento da Anne.
— Achei que dessa vez ia ser diferente.
— E está sendo diferente, gatinho...
— Você indo embora pra Toronto? Essa história não é nova.
— Você está certo, a história não é nova mas o contexto é diferente. Eu estou indo mas dessa vez tenho intenção de voltar, ou de levar você comigo.
— O que?!
— Pois é. Não quero ficar longe de você de novo. Preciso resolver umas coisas mas... prometo que volto. E dessa vez, deixo meu número com você.
— Não sei como vai ser ver você indo embora de novo.
— A história não vai se repetir, eu prometo.
— Você tá se comprometendo demais, e se não puder cumprir isso?
— Eu vou cumprir, vou dar um jeito. Quer dizer, nós vamos dar um jeito. Afinal, não posso fazer tudo sozinho — falei enquanto sentávamos no sofá.
— Tudo bem, a gente vai lutar por isso juntos então?
— Sim.
— Mas pelo que a gente tá lutando?
— Por nós, porque eu não quero te perder de novo.
— Porque a gente se ama? — ele perguntou, virando o rosto para mim, ansioso por uma resposta.
— Não posso responder por nós dois, mas sendo consciente do que eu sinto tanto em mim quanto vindo de você, eu digo que sim.
— Eu concordo.

Ficamos nos olhando em silêncio por alguns instantes, até eu resolver me levantar e ir embora.
— Acho que está na hora de ir.
— Espera!
Ele segurou meu braço, ficando em pé e me beijando com as mãos em meu rosto.
— Fica aqui essa noite — ele pediu.
— Por que? — perguntei.
— Quer que eu diga com todas as letras?
— Sim.
— Porque eu te amo, e quero passar cada segundo que puder com você até você ir embora de novo.

Em um passe de mágica, eu estava rendido.

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