7. Gilbert

3.1K 289 49
                                    

"— O pôr do sol é muito bonito na sua janela. A gente pode ver de lá."

Anne falou isso e subiu a escada em passos rápidos, como se estivesse tentando fugir da minha conversa. Eu não iria pressionar ela então simplesmente a acompanhei escada acima até o meu quarto, me apoiando em uma janela e ela em outra.
Eu conseguia ver ela do outro lado, apoiada com os cotovelos no peitoril, eu vi ela fechando os olhos e respirando fundo e então abrindo e olhando para o horizonte. Eu queria saber o que se passava na cabeça dela.
Observei ela, vendo seus cabelos sendo iluminados pela luz do sol que começava a diminuir, eu percebi que ela era um mistério que eu queria decifrar, mas que ela teria que permitir.

Eternizei aquele momento em uma foto que ela mal percebeu que tirei, e me aproximei cruzando nossos braços e apoiando minha cabeça nela. Eu era tão duro no trabalho e com outras pessoas mas com ela eu podia baixar a minha guarda, e só isso importava.
Passamos alguns minutos assim até que o sol se pôs, ela continuou na janela e eu deitei na minha cama. Tudo que eu ouvia era o som das nossas respirações até o meu celular começar a tocar e vibrar, vi o nome de Jane Andrews na tela e atendi.
— Oi Jane, algum pro-
— Gilbert Blythe, venha pra delegacia agora!
— Espera, o que? Eu tô de folga, aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu sim, aconteceu que roubaram meu carro e que a pessoa que te substitui nos fins de semana é uma i-n-ú-t-i-l — ela parecia estar direcionando as palavras ao Sargento Müller.
— Calma Jane, eu já estou indo.
— Acho bom.

Quando desliguei, Anne me encarava com uma expressão curiosa.
— O que houve?
— Era Jane, ela está bem brava e pediu que eu fosse até a delegacia. O carro dela foi roubado e não estão sabendo resolver o problema.
— Ah, sério?! Que situação... Posso ir com você? Quero ver Jane caso ela precise de alguém lá.
— Mas eu não vou estar lá?
— Você entendeu né, Gilbert.
— Tô brincando com você, pode sim.

Troquei de roupa rapidamente e entrei no carro com Anne do meu lado.
— Ontem eu estava dizendo que essa cidade é segura e hoje um carro é roubado, que boca sagrada eu tenho.
— Acontece, lembra de quando a gente deixou nossas bicicletas do lado de fora da minha casa e quando a gente voltou, as duas tinham sumido?
— Como eu poderia esquecer? Eu amava aquela bicicleta e eu demorei muito pra comprar outra, já você... No outro dia a Bertha já tinha te dado outra.
— É, ela me mimava muito...
Percebi como havia sido idiota e bati a cabeça no volante.
— Anne, desculpa falar dela... Eu não... Eu só... É, como eu disse, que boca sagrada a minha.

Eu tinha esquecido que falar da mãe da Anne era um assunto sensível, ela perdeu a mãe quando tinha 18 anos e desde então só lhe restou seu pai,  Walter. Ela riu com a minha preocupação.
— Calma, Gil. Tá tudo bem. Falar dela não me dói tanto, não mais. É bom lembrar de como ela foi boa pra mim. E para de fazer isso com a cabeça no volante, vai acabar se dando mal por isso.
— Chegamos, olha a Jane ali com cara de ódio.

Era isso mesmo, Jane nos esperava do lado de fora com ódio puro e genuíno estampado no seu rosto, e estava acompanhada de seu irmão, Billy.
— Desculpa incomodar, Gilbert. Tentei convencer ela a não te chamar mas sabe como ela é — o Andrews mais velho falou.
— É, também sei como Müller é. Mas perdoem ele, ele é da velha guarda sabem... De uns tempos que as coisas funcionavam de um jeito diferente.
— Vocês estão bem? — Anne perguntou enquanto entrávamos.
— Sim. — Jane respondeu — Aquele imbecil, desgraçado, filho de uma... — ela respirou fundo— só levou o carro, ele tentou jogar Billy no chão mas não conseguiu então foi embora.
— Um de vocês pode vir até a minha mesa por favor? Podem ser os dois, mas não precisa.
— Eu vou, Jay. Fica aí com a Anne e tenta se acalmar.

Jane e Anne se sentaram em bancos da sala de espera. Enquanto eu e Billy íamos em direção a minha mesa, vi meu colega de trabalho Roy Gardner chegar.
Roy Gardner, bonitão, novato, é um bom detetive mas algo nele me deixa com um pé atrás. Eu vi ele passar por Jane e Anne as olhando, então dar meia volta para falar com elas. Eu não podia me importar com aquilo agora.
— Gilbert!
— Ah, oi.
— Faz uns dois minutos que te chamo, você tava catatônico.
— Sinto muito Billy. Então, você conseguiu ver a pessoa que roubou vocês?

Do outro lado do prédio, Anne, Jane e Roy conversavam.
— Você é Anne Shirley? Não acredito! Quanto tempo...
— Desculpa mas eu..?
— Roy Gardner, aulas de gramática na faculdade!
— Roy? Caraca! Quanto tempo, você tá diferente!
— Você também mudou, está mais bonita.
Eles deram as mãos, percebendo que Jane não estava entendendo, Anne explicou.
— Roy estudou comigo, éramos colegas bem próximos. Mas o ano acabou e eu não vi mais ele. Por onde andou?
— Mudança repentina de cidade. O que você faz aqui?
— Ah, Jane foi roubada.
— Você tá bem? Já foi atendida?
— Sim, meu irmão está lá dentro — Jane sorriu.
— E você Roy, o que faz aqui?
— Eu meio que trabalho aqui.
— Que legal! Meu... Nosso amigo também trabalha aqui. Ele é o sargento Blythe, conhece?
— Ele é meio que meu chefe. E eu meio que estou atrasado. Você pode me dar seu número pra gente não perder contato de novo? — ele sorriu para Anne.
— Claro!
Roy saiu deixando as duas a sós de novo.
— Anne, ele é um gato! E tá dando super mole pra você.

aposta infantil.Onde histórias criam vida. Descubra agora