Esquecer o que aconteceu foi algo difícil para mim, mas nem imagino o quão difícil foi para Anne, mesmo tendo vivenciado isso ao lado dela. Acompanhar ela acordar chorando de um pesadelo onde ele provavelmente aparecia me partia o coração em tantos pedaços que eu nem saberia descrever.
Aos poucos, Anne conseguiu superar o que havia acontecido, e era quase como se aquele dia nunca tivesse existido. De qualquer forma, eu estava lá por ela.
Davy ainda estava na cidade, ele acompanhou tudo de perto e nos visitava constantemente, pra ser sincero, eu gostava das visitas dele. Jogávamos jogos de tabuleiro, conversávamos sobre o passado e coisas da vida. Mesmo que ela estivesse melhor, o ódio estava sendo semeado em mim como uma plantinha e crescia aos poucos. Eu disse que ia dar um jeito de fazer com que Roy pagasse caro pelo que fez, e eu iria, mas precisava esperar ele sair do hospital primeiro.Era incrível como Anne conseguia mudar tudo e deixar tudo com uma marca que dizia "Anne Shirley esteve aqui.". Ela fazia isso comigo, com a minha casa e com todos que tivessem o mínimo contato com ela. Depois do ocorrido, aconselhei que ela procurasse a ajuda de uma terapeuta para lidar da melhor forma com aquilo, e ela fez isso.
A terapeuta de Anne recomendou que ela cultivasse um jardim como maneira de se distrair e desestressar, particularmente, achei que deu certo.Em uma manhã ensolarada de fevereiro, enquanto eu a ajudava no seu jardim, um caminhão de mudança parou na casa da frente, logo atrás de um carro cinza grafite.
Eu e Anne voltamos nossa atenção para aquele carro, curiosos para saber quem seria o vizinho novo, e para nossa surpresa não era alguém desconhecido. Moody Spurgeon desceu do carro e colocou uma mochila nas costas, abrindo a porta de trás do carro logo em seguida. Nos levantamos para ir até lá falar com ele, mas desaceleramos nossos passos quando vimos ele ajudar uma garotinha loira de aparentemente 5 anos a descer do carro e a segurar no colo, ficamos — no mínimo — sem reação. Ele acabou nos vendo através do óculos escuros que estava usando, tudo nele indicava que ele havia se tornado pai.— Anne, Gilbert! Não sabia que moravam por aqui!
— Igualmente! — Anne respondeu.
— Quanto tempo hein, Spurgeon. Por onde andou?
— Com certeza, reconstruindo minha vida.
— Imagino... — respondi.
— Que falta de educação a minha. Gente, essa é a Íris! — a menina escondeu o rosto no ombro de Moody, "tímida", pensei — Dá oi pra eles, filha. Acho que vamos ser vizinhos agora.
Eu e Anne nos entreolhamos.
— Filha? — perguntei, recebendo uma cotovelada de Anne logo em seguida.
— Sim, — Moody riu — filha. Eu e Ruby conversávamos sobre isso, mas...
— Eu sei — não quis permitir que entrássemos naquele assunto. Não que eu não quisesse falar sobre ela, mas temi que fosse uma ferida ainda aberta para Moody.
— Íris precisava de uma família, então me tornei a família dela, e ela a minha.
— Isso é lindo, Moody, de verdade. — Anne disse, se aproximando da menina e passando a mão em seu braço — Oi, Íris... Você é muito linda, sabia?!Era assustadora a semelhança da menina com Ruby, os mesmos olhos azuis como o céu, os mesmos cabelos dourados com cachos perfeitos. Se eu parasse para pensar nas semelhanças entre elas, listaria várias.
Me distraí pensando no passado e quase perdi o que estava acontecendo no presente, bem na minha frente. Íris já estava no colo de Anne, aparentemente encantada pelos seus cabelos vermelhos, a cena me hipnotizou por minutos a fio.Mais tarde, Anne tirava a mesa do almoço enquanto eu ponderava sobre o que vimos de manhã, encostado no balcão da cozinha.
— Você percebeu aquilo, meu bem? — perguntei.
— O que, vida?
— A menina, a Íris. Ela é a cara, retrato falado, a própria Ruby Gillis.
— Agora que você falou...
— Vai dizer que não tinha notado?
— Inconscientemente, sim.
— Talvez Moody tenha visto Ruby naquela menina, e foi cativado por isso.
— Faz sentido. — ela falou, sentando na mesa de frente para mim — Eles parecem felizes.
— E ela pareceu gostar muito de você. E se ela for uma reencarnação da Ruby?
— Você acredita nessas coisas?!
— Até agora não acreditava, mas estou começando a questionar meu ceticismo sobre tudo, principalmente depois da minha teoria de que você nunca iria admitir o que sente por mim ter sido derrubada.
Enquanto eu falava, dei alguns passos para a frente, de maneira que nossos olhos se encontraram e o espaço entre nós se tornou escasso. Anne colocou os braços sobre os meus ombros, e eu me vi tentado a colocar as mãos em sua cintura.
— Você é muito convencido, eu devia ter feito você esperar mais um pouco!
— Não teria coragem de deixar o amor da sua vida sofrendo na incerteza por mais nenhum segundo.
— Você se acha o amor da minha vida, Gilbert? — ela me olhou com um tom que assumi ser de sarcasmo.
— Claro que acho. Por que? Não sou? — senti um aperto que não sentia há muito tempo.
— É claro que é! — ela sorriu, e então me senti aliviado — Só me surpreende que você saiba porque você é meio lerdo, mas que bom que sabe.
— Você também.
— Eu também o que?
— Você também é o amor da minha vida, mas isso eu sei que você sabe — a beijei pelo máximo de tempo que consegui, ainda com a sua cintura entre minhas mãos.
— É — ela disse ofegante — eu sei sim.
Ela voltou a me beijar, dessa vez descendo a mão dos meus ombros pelo meu abdômen.
— Anne... Se você continuar assim, em breve pode ter uma Íris de cabelos vermelhos correndo pela casa — falei, ainda com a testa colada na sua, deixando entre nós apenas o espaço suficiente para que eu conseguisse falar.
— Cala a boca, a gente não precisa falar sobre isso agora — ela pareceu desconcertada mas, ao invés de demonstrar isso, apenas mordeu meu lábio inferior, voltando a me beijar.
Entrei em um dilema entre parar o que estávamos fazendo para conversarmos sobre aquilo ou só ignorar e seguir. Acabei decidindo por segurá-la no colo e levá-la para o quarto.
Era indescritível a sensação de finalmente saber que tínhamos um ao outro de uma forma que nunca tivemos, mas que eu sempre quis ter. Cada mordida no meu ombro e cada marca roxa-avermelhada no seu pescoço diziam, respectivamente: "Anne Shirley esteve aqui" e "Gilbert Blythe esteve aqui".
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aposta infantil.
FanfictionAnne e Gilbert sempre foram amigos desde crianças, e um dia fizeram a seguinte aposta: "Se não estivermos com ninguém daqui 20 anos, vamos nos casar com o outro". Eles só não sabiam que o tempo iria passar tão rápido. "- Você sabe que não quebro pro...