20. Anne

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Eu e Josie estávamos tentando conversar entre um atendimento e outro.
— Eu, Tillie e Jane vamos sair essa noite, sinta-se convidada se quiser... Boa tarde, senhora.
Me virei na cadeira, ficando de frente para o computador, sendo capaz de ver o meu reflexo de fim de tarde, já acabada.
Eu me perdi em devaneios, mas fui tirada pela voz de Winifred me chamando no balcão.
— Anne? Podemos conversar?
— Claro.

Ela saiu andando, imaginei que devia segui-la. Enquanto o fazia, passei a mão pelo cabelo tentando me tornar mais apresentável para não me sentir intimidada por Winifred.
— Então, Anne...
Droga, ela ficou sabendo que eu e Gilbert nos beijamos e vai querer satisfações.
Eu acho você uma garota incrível...
Que?!
Deve ser por isso que Gilbert tem você como melhor amiga por tanto tempo. Então, independente do que aconteceu entre eu e ele, não quero que afete entre nós duas.
Do que você tá falando, Winifred?
— Acho que seríamos boas amigas.
— Desculpa, Winifred. Não entendi onde quer chegar.
— Ele não te contou? Gilbert cortou seja lá qual era a relação que tinha entre eu e ele. Se é que já chegamos a ter uma...
— Eu... sinto muito?
— Não sinta. Não era pra ser, e tá tudo bem. Somos melhores como amigos.
— Entendi.
— Você sabe, tem pessoas que nascem destinadas a serem um par romântico. Outras funcionam melhor como amigos.
— Eu entendi!
— Ah. Então tá, era só isso.
Ela se virou e começou a andar, mas pareceu ter lembrado de algo e deu meia volta.
— Anne, Gilbert está meio pra baixo. Se não for pedir demais, você poderia ver ele?
— Não é pedir demais, eu vou sim.

Quando voltei para o meu lugar, Josie já estava de pé, arrumando sua bolsa para ir embora.
— Apareceu a margarida. O expediente já acabou.
— Quanto tempo eu passei lá?
— Não foi pouco.
Fiquei confusa, por mim tinham sido no máximo 5 minutos. Aparentemente quando se está sob pressão o tempo passa mais devagar.

— Feliz ano novo, Anne! Te vejo próximo ano.
— Piada de tio? Sério, Josie!
Ela saiu rindo. Rapidamente, peguei minhas coisas e sai caminhando em passos rápidos até a casa de Gilbert — que por sorte, ficava próximo dali.
Quando entrei, a casa estava em profundo silêncio, algo que não me surpreendia. deixei meu casaco na entrada e andei até o quarto dele, chamando pelo seu nome.
O encontrei encostado na namoradeira da janela do seu quarto observando o pôr do sol que já se findava, me aproximei dele lentamente, ficando ao seu lado.
Era estranho ver ele depois que nos beijamos. Pedi para fingirmos que nada aconteceu mas eu mesma não conseguia.

— Dia ruim, Gil?
— Não foi um dos melhores, mas já tive piores — ele me ofereceu um sorriso pequeno.
— Fiquei sabendo sobre Winifred, quer conversar sobre isso?
Ele respirou fundo antes de responder.
— Winifred é ótima, eu só... — ele olhou para mim pela primeira vez — Tem algo sobre ela que me faria dispensar todas as mulheres do mundo.
— O que era?
— Nenhuma seria você, Anne.

Sua resposta foi certeira e me atingiu quando eu estava despreparada e vulnerável. A sensação de ouvir algo que você gostaria de ouvir mas não conseguir corresponder é horrível. Havia um tipo de bloqueio em mim que não me permitia dizer nada.
— Gilbert...
— Por favor, Anne. Me escuta.
— Eu tenho que ir.

O desespero me bateu, mais uma vez algo estava me fazendo fugir.
Esse algo era medo.
Medo de algo dar errado, e eu perder a pessoa que sempre esteve comigo em todos os momentos.
Medo.
— Você não vai me dar ouvidos nem uma vez?
— Hoje não, Gilbert. Você tá precisando de espaço, eu vou deixar você ter seu tempo. Terminar com a Winifred...
— Terminar com ela? Eu nunca estive com ela! Winifred preferiu ser minha amiga porque percebeu que eu sou irracionalmente apaixonado por você, e ela só quis causar ciúmes em você. Eu não preciso de espaço, eu não preciso de tempo, eu preciso de você, Anne! E você não entende isso! Em tanto, tanto tempo você não teve a consideração de olhar nos meus olhos e dizer que você não tem coragem pra arriscar algo comigo, mas também não cansa de me dar esperanças de que você talvez sinta alguma coisa por mim, assim como eu sinto por você. Era isso que você precisava, Anne? Que eu te diga com todas as letras e palavras? Então aqui vai: Eu amo você, não como amigo, como um idiota apaixonado.

Ele derramou as palavras em cima de mim, me deixando sem reação. Eu não sabia se eu devia fazer algum comentário ou apenas andar porta á fora.
Quando vi, minhas pernas já estavam me arrastando para a rua e eu havia o deixado sem resposta, mais uma vez.
Passei um instante parada na porta dele pensando se devia dar meia volta e terminar aquela conversa, mas continuei andando.
Á medida que eu me aproximava de casa, lágrimas se acumulavam nos meus olhos. O que tornou difícil identificar a imagem de um homem alto de cabelos castanhos sentado na calçada da minha casa segurando três rosas brancas murchas.

— Anne, eu sei que não conversamos direito. Eu quero me desculpar e resolver essa situação.
Minha confusão foi se realinhando e se transformando em raiva. Roy Gardner, depois de todo aquele show, estava fazendo a graça de aparecer na porta da minha casa na noite da véspera de ano novo.
Não me dei o trabalho de escutá-lo.
— Roy, vai embora, não perde o seu tempo.
Passei direto por ele, mas fui puxada de volta por um braço mais forte que eu.
— Por favor, amor. Me escuta!
— Não me chama de amor, não existe nenhum amor aqui. Não namoramos mais, Roy. Tudo aquilo foi um erro, sinto muito ter feito você perder seu tempo, mas por favor, vai embora.
— Não. — ele começou a apertar meu braço e aproximar de mim — Eu vim até aqui, agora você cala a boca e me escuta.
— Me solta, agora. A rua toda tá te olhando, você não acha que já chamou atenção demais esses dias? O que te enche de coragem para bancar o machão?
— Para de gracinha, Anne, ou...
— Ou o que? Vai fazer o que com todo mundo te olhando? Me bater? Gritar comigo de novo?
Ele olhou em volta e viu que realmente pessoas curiosas estavam observando a gente, então me soltou.
— Não pense que é a última vez que vai me ver, Anne Shirley.

O sangue fervia em minhas veias, entrei em casa como um tornado indo direto para o meu quarto e pegando meu celular. Minha cabeça estava um caos, comecei a jogar minhas roupas pelo quarto enquanto ligava para Josie. Eu sabia que ela e as outras meninas iam virar a noite em alguma balada, e não me importava onde, eu só queria extravasar.
Marquei de me encontrar com elas, me arrumei e saí de casa às dez da noite, mas não sem antes passar no quarto do meu pai e me despedir dele, desejando um feliz ano novo.

Meu sangue ainda estava quente, e eu só fui aquecendo á medida que o álcool ia invadindo meu corpo, não sei o que bebi, nem quanto. Eu nunca fui de beber exageradamente mas aquele dia havia sido um porre, então eu merecia.
Não lembro de muito do que aconteceu depois da virada do ano, mas lembro de tudo ao meu redor estar lento e embaçado, também lembro que as meninas me arrastaram para o lado de fora da casa de festas.

— O que a gente tá fazendo aqui? Ainda tá muito cedo!
— Anne, você mal tá se aguentando em pé e ainda é uma da manhã — Josie disse.
— Josie tá certa, Anne. — Tillie falou se aproximando de mim — Você já repetiu todo seu diálogo de hoje com o Gilbert pra 5 estranhos, acho melhor você ir descansar.
— Vocês são umas chatas!
— A gente nunca discordou disso, mas depois você vai agradecer a gente. — Josie falou e voltou para dentro com Jane, me deixando sozinha com a Tillie.
— Onde tá meu celular? Vou chamar um Uber.
— Na verdade, a gente pediu pro Gilbert vir te buscar.
— O que?!
— Não seria seguro te colocar em um carro com um estranho de madrugada, não é? A gente sente muito, mas é como eu já disse, você vai agradecer depois.
— Eu duvido muito!
— Tá bom, depois você nem vai lembrar disso mesmo. E o Gilbert já chegou, vem, eu te levo até o carro.

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