14. Anne

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Contar para Gilbert que eu e Roy estávamos namorando foi tão difícil como dar um tiro de olhos vendados e esperar que não acertasse ele.
Não sabia nem imaginava como iria encara-lo depois daquilo.

Por sorte, eu teria tempo para me preparar já que não o veria naquele dia. Meu pai aconselhou que eu devia colocar pequenas metas para cumprir no meu dia para que eu não caísse em um profundo estado de melancolia de novo.
Minha meta para aquele dia: ENTREGAR CURRÍCULOS.
Faltei tantos dias por conta da perda de Ruby que acabei sendo demitida, mas eu estava bem, uma vez que nem gostava de trabalhar com telemarketing.

Eu não era de acreditar em signos, mas naquele dia em específico acabei vendo meu horóscopo por relance, e ele dizia: "As oportunidades virão até você!"
"Bobagem" foi o que estava na minha mente, até a campainha tocar e a voz de Josie Pye invadir minha casa.
— Anne, abre aqui!
— Já estou indo!! — eu disse dando uma corrida rápida até a porta, sendo quase atropelada por Josie que entrou na minha casa como um furacão — Josie, que isso?!
— Desculpa, Anne. É urgente! Você tá desempregada, né?
— Direta como sempre! Sim, estou. Por que?
— Eu tenho uma proposta pra você!
— Eu devia ler o horóscopo mais vezes...

Josie fez uma cara de confusa, indiquei com os ombros e as mãos que ela deixasse aquilo pra lá.
— Conta logo, vai!
— Tá! É no hospital, como recepcionista e...
— No hospital central?
— Sim.
— Eu não quero.
— Anne, é em um andar diferente do que a Ruby ficou. Você só vai precisar ficar na recepção recebendo pacientes, orientando eles, marcando consultas... Você precisa desse emprego!
— É complicado pra mim, Josie.
— Eu estaria lá o tempo todo! Só te chamei porque eu sei que você precisa... E também porque a menina que trabalha comigo é uma incompetente, além de ser uma chata! — ela falou, sentando no sofá — Fiz um acordo com meu chefe e ele disse que se eu conseguisse alguém melhor ele transferia ela para outro andar.
— Josie... — eu estava determinada a fazer ela desistir.
— Anne, você só precisa fazer uma entrevista! Eu tenho certeza que você vai conseguir. É um trabalho super simples e paga bem, por favor!

A encarei por alguns segundos, ela juntou as mãos cruzadas na frente do rosto e juntou as sombrancelhas,  fazendo um beiço. Bufei em rendição.
— Tudo bem! Uma entrevista!
—  Isso aí!!
— Hoje às 14, vou torcer por você!

Ela levantou e saiu pela porta antes que eu pudesse fazer perguntas, corri no quarto do meu pai como uma criança feliz por ter uma boa nota no boletim. Não sei se a posição dos astros no dia que eu nasci tinham influência naquilo, mas eu estava animada.
Eram 11:39, mandei mensagem para Roy e para Gilbert contando o que tinha acontecido e o que eu iria fazer.
Roy me respondeu instantaneamente como se estivesse esperando minha mensagem e se ofereceu para me levar para a entrevista. Já Gilbert, não me respondeu, talvez estivesse ocupado.Me arrumei mais cedo supondo que eu e Roy almoçaríamos juntos e, como minhas suposições estavam certas, ao meio dia ele estava na minha cozinha.

— Temos uma hora e meia, quero chegar cedo!
— Está nervosa?
— Eu? nervosa? O que? Não?!
Ele riu da minha cara quebrando totalmente a tensão que eu estava sentindo. Ouvi a porta se abrindo e imaginei que meu pai estivesse saindo para algum canto, mas quando a porta fechou eu ouvi passos vindo em nossa direção.
-— Anne? Cadê você?
A voz. "Aquela" voz.
Era Gilbert.
— Eu trouxe licor, seu preferido pra dar sor...te.

Minha cara estava no chão. A expressão de Gilbert mudou totalmente ao ver Roy apoiado na mesa próximo a mim.
— Sargento Gilbert!
— Roy... — Gilbert falou, encarando Roy.
— Gil! Por que não avisou que vinha?
— Achei que não precisasse.
Ele estava certo, ele nunca avisava quando vinha.
— Vocês querem que eu vá embora? — Roy parecia irritado.
— Não, amor — aquela palavra saindo da minha boca parecia tão infantil e patética que me fez desejar não tê-lo chamado assim, principalmente na frente de Gilbert.
— Vocês podem ficar, eu só vim desejar boa sorte pra Anne. Preciso voltar ao trabalho.

Gilbert falou isso e saiu pisando forte até a porta, eu o segui sem dar explicações para Roy.
— Gil, espera!
Ele parou de andar e respirou fundo, então se virou para mim.
— O que foi? — ele claramente tentava controlar a raiva em sua voz.

Eu não sabia, ele não parecia bravo, apenas magoado. Mas eu não devia explicações para ele, não podia pedir desculpas por estar vivendo minha vida e ele sabia disso.
— Obrigada. Pelo... Pelo licor. Você realmente me conhece, não é?
— Você nem imagina quanto, sol.
— Só me diz se você tá bem.
— Eu? É claro! Você está feliz com ele, eu vou sair com alguém, você está melhor depois de tudo aquilo... Olha, por que eu não estaria bem?
— Se você diz, bem...
— Eu preciso ir mesmo, nos falamos depois.
— Não vai me dar nem um abraço?
— Acho que você não está precisando disso agora.

Fiquei observando ele entrar no carro, dar partida e ir embora com o coração na mão. Meu corpo congelou na beira da calçada. Eu sabia que havia algo que eu devia fazer — e logo —, mas meus músculos pareciam atrofiados. O toque de Roy no meu ombro me fez despertar.

— Acho que está na hora de ir.
— Desculpa por essa situação.
— Desculpo. Mas prefiro que ela não se repita.
— Como assim?

Ele me deixou sem resposta e andou em direção ao seu carro. Eu o segui e quando estávamos os dois sentados e com os cintos afivelados, ele falou como se não fosse nada:
— Claramente existe um sentimento patético implícito entre você e o Gilbert, e eu não gosto disso.
— O que é que você está sugerindo?
— Que se afaste dele.
— Nem pensar... - eu disse com uma risada anasalada e irônica.
— "Nem pensar"? Ok, Anne. Não quero mais implicar com isso. Mas saiba que uma hora você vai ter que escolher entre ele ou eu.
— Roy, ele é meu melhor amigo desde que o mundo é mundo, mas você é meu namorado e eu gosto muito de você. Não me faça escolher entre você e ele.
— Por que? Porque você escolheria ele?

Desviei o olhar para a paisagem que se movia e aos poucos ia ficando para trás na janela do carro, preferi não responder.

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