Capítulo 33 - Olhos da Ceifeira, parte 1

7 1 11
                                    

A chuva lá fora continuava caindo pesadamente e o vento faziam as janelas trancadas balançarem em suas dobradiças. O pequeno grupo continuava perto da lareira, agora com os ânimos mais calmos enquanto tomavam o chá que Rey havia pedido. Inclusive, ele havia se acordado e se afastado um pouco do grupo, olhando para fora pela porta entreaberta. Cristine ficava olhando pra ele vez ou outra enquanto conversava com o pessoal.

— Gente... Eu vou ficar lá fora um pouco. - disse Rey. — Senti um cheiro familiar. Mas não vou fugir, só vou ficar um pouco aqui na frente.

— Quer companhia? - perguntou Cristine.

— Quero.

Ele esperava Cristine chegar perto pra sair com ela dali. Foi só o tempo de fecharem a porta atrás de si que Rey começou a farejar o ar. Cristine percebeu que seu semblante estava muito sério, sério até demais pra uma criança da idade dele, mas não ia falar nada por enquanto até que ele suspirou.

— Não é ele...

— O seu irmão?

— É... Senti um cheiro parecido com o dele agora a pouco, mas... Acho que foi minha imaginação.

Cristine se ajoelhava e passava a mão pela cabeça de Rey, que se encostava nela fechando os olhos. Ela dava um abraço no jovem Experimento e tentava sentir o cheiro dele, mas só conseguia sentir o cheiro de pêlos úmidos.

— Tá tudo bem. Vocês ainda vão se encontrar.

— Tô com medo, Cristine... E se ele estiver...

— Eu espero que não esteja. Quero conhecer o irmão do meu amiguinho, ele deve ser tão legal quanto você!

— Ele é muito melhor que eu em qualquer coisa que ele faça. É mais alto, mais forte, mais engraçado, mais rápido... Só tem um gosto estranho pra comida. Ele gosta muito de sal.

— E ele cuidava bem de você?

— Sim, ele me ensinou bastante do que eu sei, guardava parte da comida dele pra mim, até me deu um presente uma vez... Só que... A antiga dona tirou o presente de mim...

— Ela era muito má... Deu pra ver pelo pouco tempo que passamos na caravana. Mas agora você está com a gente, vamos te proteger de tudo. O que era o presente?

— Era um colar de tostão... Ele mesmo que fez com um tostão que ganhou de um amigo da antiga dona. Mas quando ela me viu usando, arrancou do meu pescoço e me bateu. Depois bateu nele quando ele tentou fazer ela parar dizendo que foi que ele quem fez... Meu irmão é muito corajoso! Um dia, serei que nem ele!

— Grande, forte, esperto e corajoso?

— E bonito! Ele dizia que eu ainda tinha que trabalhar muito pra ficar bonito que nem ele.

Isso acabava arrancando uma risada de Cristine, que dava um beijo na testa do jovem Rey, que não entendia o tal gesto de carinho.

— Você já é bonito meu amiguinho, então só precisa crescer. Espero que continue meu amigo quando encontrar seu irmão.

Ele dava um sorriso meio sem graça e olhava pra rua, até enxergar um vulto no fim da estrada de terra. Ele segurava a mão de Cristine com força e ela via, apesar de toda a chuva, alguém vindo na direção deles. Sem esperar duas vezes, ela entrou com Rey e se sentou perto do seu irmão. O jovem Experimento foi direto para o colo de Connor e eles ficaram em silêncio por um tempo até que a porta da estalagem se abriu. Uma pessoa entrou, com roupas completamente negras, uma máscara de pano que cobria sua boca e nariz, um chapéu de aba circular média de couro e um comprido sobretudo também de couro negro. A pessoa foi andando pesadamente até o balcão e apenas bateu duas vezes com o punho fechado na madeira, encarando o grupo com seus olhos vermelhos vibrantes. O estalajadeiro chegou correndo com tanta pressa que quase tropeçou nos próprios pés e indicou rapidamente um quarto para aquela pessoa. O pequeno grupo ficava observando até o estranho fechar com força a porta do quarto. O estalajadeiro estava trêmulo e segurando a respiração, e só depois de um tempo ele soltou o ar que segurava em seus pulmões e parecia muito aliviado. O grupo ficava o encarando por um tempo, pois ele não havia saído dali.

Herança de Sangue - Parte UmOnde histórias criam vida. Descubra agora