Capítulo 20 - Undin

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Ele tirava do bolso um círculo metálico, olhando para o espaço vazio dentro dele e o colocando de volta no bolso em seguida. Como sempre, ninguém percebia que ele estava ali. Ninguém o perceberia se ele não quisesse que isso acontecesse. Ser um legado tinha suas vantagens, no fim das contas... Exceto pelo sentimento constante de estar ligado àquele maldito. Mas isso não mudava o fato de que estavam atrasados. Ou talvez ele estivesse muito adiantado, afinal, o tempo era algo confuso. Depois de tantos... Anos? Séculos? Não saberia dizer. Mas depois de tanto viver, o tempo ficou confuso. Os dias eram iguais, as pessoas eram as mesmas, só com roupagens de carne diferentes. E ele estava impaciente e sem tempo a perder. 

— Você ainda está aqui? Achei que tinha ido pro deserto ou algo assim pra fugir do alistamento.

— Não, não... Eu perdi a vontade no final. Sabe como é né, ia ser muito dinheiro gasto pra manter a vida em uma tenda e eu já sei de uma desculpa muito boa pra não ser convocado.

— Eu vivo em uma tenda e não gasto tanto assim! Mas essa guerra precisa de gente forte. Ei, tá sabendo da revolta dos escravos pelo sul do reinado de Serena?

O homem de cabelos brancos revirava os olhos, irritado. Quantas vezes ouvira conversas como esta? Difícil dizer. Foram vezes o suficiente para não querer ouvir mais. Então, ele se levantava e o sobretudo que vestia levantava um pouco de poeira no chão, mas é claro, ninguém percebia esses pequenos detalhes. Ele não queria ser notado e estavam todos envoltos no seu mundinho de conversas triviais, sem saber o que estava por vir ou o que aconteceu, mergulhados em ignorância cega. Até mesmo aqueles que se consideravam estudiosos eram cegos. A vida era muito pior do que aquilo que liam. E, se eu não fizer algo, vai piorar mais. Era o que dizia para si mesmo enquanto saía da pousada onde estava. O céu estava claro e a cidade continuava a mesma de quando visitou o lugar pela última vez. Construções de pedras expostas, carruagens sendo puxadas por cavalos, pessoas pedindo esmolas e sendo ignoradas pela maior parte dos que ali passavam. Era deprimente. Talvez, pelo tempo de vida limitado, eles tivessem o valor do que era realmente importante trocado, ou então eram só egoístas mesmo. Até mesmo elfos, que muitos os consideravam especiais pela longevidade e beleza, possuíam vários frutos podres dentre eles.

— A plantação inteira, basicamente. - falava sozinho. — Elfos são bonzinhos de verdade só em contos de fantasia. Mas esta é a vida real. E ninguém é tão bom quanto faz parecer.

— Isso inclui você, irmão!

E logo, ele via uma pessoa andando ao seu encontro. Naquele momento, não haviam palavras que descrevessem o desprazer em ver aquela pessoa caminhando com um sorriso cínico na sua direção. Não era pra'quela pessoa estar ali. Não agora, não hoje! Droga!

— Undin! A quantas luas não o vejo!

Em resposta, Undin apenas continuava seu caminho, ignorando aquela pessoa que agora começava a o seguir. Undin apenas andava mais rápido, já que era maior, talvez deixasse aquela pessoa pra trás.

— Vai dar as costas assim pra alguém da família? Isso magoa, sabia? Você não era assim, você mudou muito depois de Ka'ri.

— Você não sabe de nada, Sari. Siga seu caminho e me deixe em paz. Eu tenho que resolver meus assuntos.

Ka'ri... Quanto tempo não ouvia aquele nome? A lembrança ainda doía, mas não fazia mais sentido. Ka'ri não estava mais ali. E ele não podia fazer nada além de executar seu plano e conviver com a dor. 

— Olha! Ele fala! Achei que tivesse ficado mudo! Hahahah!

— Sari... Vai bater um papo com a Morte e me deixa em paz.

— Você sabe que legados como nós não morrem tão fácil. É preciso um grande poder pra isso! Será que é disso que você está atrás? Da sua morte? 

Herança de Sangue - Parte UmOnde histórias criam vida. Descubra agora