Desespero Interno

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Querido Steve, 

Quando minha "família" apareceu por aquela porta, eu entrei em estado de torpor, não sabia como reagir, não sabia como proceder e nem mesmo as armas apontadas para a cabeça de Alexei, a risada esquisita e macabra que ele tem, ou a entrada, também abrupta, de Melina, foram capazes de me tirar do estado de transe. 

Todas as lembranças que eu lutei para enterrar dentro de mim durante anos voltaram a aparecer, de repente eu não era mais aquela mulher que cresceu traumatizada, estava apaixonada e tentava cada dia mais compensar as coisas ruins que fez no passado. De repente, como em um estalar de dedos, eu era só a garotinha que havia crescido naquela casa. A menina que não sabia que toda sua vida não passava de uma grande mentira, que seus supostos pais iriam entregá-la para a instituição onde ela passaria os piores anos da sua vida. 

Tudo havia voltado, o peso da traição, o alívio ao reatar meu relacionamento com Yelena e a pequena esperança de que talvez minha família pudesse ser real a partir de agora, ainda seria um longo caminho até perdoá-los, tinha plena certeza disso, você sabe que sou orgulhosa, mas ainda assim, pelo menos estava tentando. Somente depois que você me encarou desesperado, percebi que precisava reagir e obriguei minha mente a fazer isso, processar as informações que ela vinha recebendo de forma rápida.  

Comecei a ditar ordens para todos, mandei que os dois patetas que eu tinha como grandes amigos abaixassem as armas, que Alexei fechasse a maldita porta, além do vento frio, alguém poderia ver alguma coisa, pedi a Melina que preparasse um shot para mim porque estava desesperada por uma boa dose de álcool e mandei que Yelena deixasse de te olhar daquele jeito, apesar de você ficar fofo envergonhado, aquele era o MEU olhar para você e ponto final. 

Como se toda a confusão não bastasse, minha família arrumou um jeito de deixar as coisas piores. O constrangimento que eles conseguiram causar em questão de minutos era o suficiente para uma vida toda. "Ele dá conta do recado, querida?", era uma pergunta que eu desejava jamais ter saído dos lábios do meu... pai, ou melhor, da boca de ninguém. 

Então, como se não bastasse ele quis começar a contar sobre meus casos antigos e sobre como eu era uma pessoa difícil de satisfazer, até que felizmente minha... mãe, eu acho que já posso chamá-la assim, o interrompeu, mas meu alívio durou pouco já que ela e Yelena passaram a discutir sobre o quanto aparentemente você era gostoso (isso é verdade, você é, muito, principalmente sem roupas, mas essa visão é exclusiva dessa que vos fala, ou melhor escreve). Estava tão desesperada para encerrar aquele assunto que acabei te chamando de namorado em voz alta. 

Podia sentir minhas bochechas queimando, podia sentir sua felicidade, como se eu tivesse te dado uma barra gigantesca de ouro. Toda aquela conversa, todas aquelas vozes diferentes falando ao mesmo tempo estavam me deixando louca, não conseguia ouvir meus próprios pensamentos. Yelena não parava de me provocar, estava descontando todos os anos que eu passei longe dela sem suas piadas e seu sarcasmo naquele encontro repentino e para completar minha situação, Sam resolveu entrar no meio e de repente o mais novo e assumido casal havia virado a piada do dia. 

Apresentei os três estranhos para vocês, mas na hora de dizer de onde exatamente eu os conhecia, travei. Não conseguia explicar que eram minha família, minha primeira família, sabia que geraria perguntas demais, perguntas que levariam a um tópico muito sensível e que eu evitava a todo custo: meu passado, infelizmente foi essa a minha explicação.

 "Eles são parte do meu passado", sem detalhes, sem explicar que eles eram uma ponte entre lembranças falsas e felizes, e lembranças reais e muito dolorosas. Sem explicar que a menos de um ano atrás eles me ajudaram a enterrar de vez a desgraça da Sala Vermelha, sem explicar que foi graças a Yelena que tomei coragem de lutar por nós dois, Steve. 

Cartas para Steve RogersOnde histórias criam vida. Descubra agora