1. O filho da Sra. Branstone

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Era quase meia-noite e a claridade da Lua era a única fonte de iluminação na casa da família Branstone. No menor quarto da casa, um garoto magrelo e desengonçado de quase quatorze anos custava pegar no sono. Para quem tinha passado o ano letivo em Hogwarts, onde podia dormir numa cama confortável do dormitório da Lufa-Lufa, acostumar-se novamente com o seu quarto minúsculo no primeiro dia das férias de verão em casa havia se tornado um verdadeiro desafio.

Deitado em seu colchão ralo sobre a cama enferrujada, ele imaginou que provavelmente o que estava causando a sua insônia era a expectativa pela chegada de seu aniversário, dali a poucos minutos. Não que esperasse receber alguma coisa por isso — Gustavo Branstone sabia muito bem que já havia alguns anos que os seus pais vinham economizando para construir um banheiro na casa. O que já não era sem tempo: ele sentia arrepios só de pensar em ter que se levantar no meio da madrugada para usar aquele cubículo improvisado do lado de fora.

A velha cama fez um sonoro ruído quando o garoto se revirou sobre ela. Ele tentou ficar parado para não acordar a irmã de quatro anos que dormia tranquilamente num berço ao lado de sua cama, e foi nessa hora que ouviu um som que lhe deu um calafrio na espinha: um rosnado grave em algum lugar por perto. 

Paralisado pelo medo, o garoto pensou ter ouvido ao longe um uivo prolongado cortar o ar calado da noite. Os cabelos de sua nuca ficaram em pé; aquele uivo só podia ter vindo... — Gustavo apertou bem os olhos e sacudiu a cabeça — da sua imaginação, claro! Ele já havia passado da idade de acreditar na existência de monstros ao lado de fora da casa. 

Por mais ridícula que a ideia parecesse, após um instante ele teve a certeza de ter ouvido outro ruído, muito mais assustador: alguém forçando a entrada da casa. O coração aos saltos, ele deslizou para fora da cama e ficou em pé — e, uma fração de segundo depois, a porta levou uma pancada tão violenta que se partiu ao meio. Tudo o que ele viu em seguida foi um enorme vulto de um animal encurvado; um monstro peludo de cabeça alongada soltou um rosnado medonho, bateu as mandíbulas e avançou em sua direção.

Mesmo que Gustavo conseguisse se mexer, não haveria tempo para fugir; o monstro foi rápido demais. Pulou para cima dele e, quando o atingiu, o garoto sentiu as suas presas pontiagudas como punhais se enterrarem em sua pele, e soltou um grito desesperado de medo e dor.

Sua mãe apareceu depressa; ela empunhou a varinha na direção do bicho e ordenou:

Lumus!

A luz que emanou da ponta da varinha acordou o rapaz, que se sentou ofegante na cama e olhou ao redor. Estava em seu quarto, com o rosto empapado de suor; a velha cama enferrujada por pouco não havia quebrado de vez.

— Filho! — a sra. Branstone exclamou. — Ouvi um grito, o que aconteceu?

— Nada. Está tudo bem. — Ele recuperou o fôlego. — Foi só um pesadelo... Eu estava sonhando com... com dragões, é isso. Soltavam fogo — desconversou.

— Isso não é um bom sinal... Pesadelos com dragões, logo hoje!

Como se Gustavo pudesse escolher os dias mais apropriados para ter pesadelos.

— Você quer alguma coisa? Uma água ou... — a sra. Branstone perguntou num bocejo prolongado. 

— Não, mãe, obrigado; pode voltar a dormir. Se eu precisar de alguma coisa, eu mesmo pego lá na cozinha.

— Então, boa noite. — Ela deu mais um bocejo. — Ah, e feliz aniversário!

Ela sempre fazia questão de comemorar o aniversário do filho, como se quisesse compensá-lo pelo pesadelo que ele vivera há exatos sete anos, quando sofreu aquele mesmíssimo ataque de um lobisomem dentro de casa. Um pesadelo, aliás, do qual ele jamais se acordaria... A única coisa que lhe restou foi ter que se acostumar a viver sob a sua nova — e permanente — condição: uma vez por mês, passou a se transformar também numa fera monstruosa. Sua vida mudou completamente desde então: o seu pai, para tentar salvá-lo, atracou-se com o lobisomem num duelo de vida ou morte — e acabou morrendo. Gustavo escapou com vida, mas passou a tomar a Poção do Acônito todos os meses, uma semana antes da lua cheia. Ele foi apresentado à Casa dos Gritos para poder voltar a estudar em Hogwarts sem levantar suspeitas, a sua irmã foi transferida para o quarto da mãe, e as economias do banheiro tiveram que ser usadas na construção de um porão para escondê-lo durante as transformações. 

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