Patriarca Freire

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Anitta nem se importou em trocar de roupa ou fazer um curativo na mão antes de invadir o gabinete da governadora naquela manhã. Era uma atitude não pensada que poderia lhe trazer muitos problemas, mas quando se deu conta, já esmurrava a porta da senhora com força.

— Nossa, quanto tempo, Anitta! Parece estar de mau humor, o que não faz muito sentido já que teve um ótimo fim de semana. Sente-se, querida. Quer uma água, um chá, um café?

A falsa hospitalidade da senhora de idade não comoveu a carioca. A velha era ardilosa, tão ruim quanto Anitta costumava ser nos negócios. Márcia Rocha era a personificação mais pura de lobo em pele de cordeiro que alguém pudesse imaginar. Líder do partido, cheia de boas ações sociais e levantava a bandeira da igualdade por todo o estado, isso quando não estava movendo alguns pauzinhos para se enriquecer com dinheiro de propina.

— Quero entender o motivo de eu não estar abrindo um champanhe pra comemorar a licitação que nós tínhamos combinado.

— Oh, então é esse o motivo da sua visita? Esperava que viesse me ver por uma questão de amizade.

Anitta trincou os dentes ao ver o sorriso falso nascer no rosto velho e maquiado. Odiava gente que não ia direto ao ponto e aquela mulher queria lhe dar voltas.

— Por favor, Rocha, seja direta. Eu acabei de sair de um voo, não tenho tempo para joguinhos. Eu quero a licitação!

A troca de olhares era intensa, nenhuma das mulheres ousaria quebrar aquele embate, afinal Márcia Rocha também era uma mulher poderosa, talvez não tanto quanto Anitta, mas ainda sim tinha suas estratégias.

— Não posso fazer nada, sabe que não sou eu que elaboro e cuido desses assuntos. Sou apenas uma governadora, assim como você é apenas uma executiva.

— Você pode fazer muita coisa sim, eu sei que pode. Eu não quero ter problemas com você, Márcia, e você não quer ter problemas comigo. Se eu não quiser que você se reeleja, você não vai se reeleger. Está entendendo onde eu quero chegar?

A mulher mais velha assentiu ainda com o semblante calmo. Anitta era uma mulher poderosa que tinha a cidade nas mãos, se ela desejasse pôr outra pessoa no poder, ela colocaria sem grandes esforços, mas Márcia também era uma mulher poderosa. Seria um embate digno de filme.

— Estou e imagino que você não deseja isso, assim como eu não desejo. Não posso fazer nada quanto ao edital. Se a sua empresa não cumpre os requisitos, vai ter que esperar a próxima licitação. Eu sinto muito.

Irritada com a negativa, Anitta jogou os objetos da mesa no chão, assustando a senhora com aquela agressividade. Com fúria nos olhos, encarou a governadora, desejando esganar a velha ali mesmo.

— Você vai dar um jeito sim. Você vai anular, vai revogar, vai criar um decreto se for preciso, mas essa obra é minha.

— Anitta, eu não posso...

— Pode! Claro que pode! Vai na imprensa, fala que ama pobre, que apoia a causa trabalhista, oferece emprego e o caralho a quatro, mas se essa porra não for revertida, eu vou reverter. E você não quer ter uma delação em ano de pré eleição, não é?

Anitta poderia estar blefando, mas a governadora não gostou da ameaça direta que recebeu. Foi ali, naquele momento, que a executiva firmou o que viria ser o seu maior atrito da vida. Ela ainda não fazia ideia da dimensão que a decisão tomaria, mas estava disposta a enfrentar o que Márcia Rocha estava pensando em fazer.

— Se eu cair, eu te arrasto junto, Anitta. Te arrasto pro buraco que eu for.

— Quer pagar pra ver? Eu não teria tanta certeza disso. Lembre-se, é você quem tem compromisso com o Estado, eu sou apenas uma empresária com um leve desvio de caráter. Agora, dá um jeito de me dar o que eu quero, se não eu te dou no máximo algumas semanas até o legislativo votar a favor da sua investigação. E eu cumpro com as minhas promessas, Márcia, você sabe que eu cumpro.

Fortuito - JunittaOnde histórias criam vida. Descubra agora