Início dos jogos

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Anitta se manteve em silêncio sob o olhar atento da mulher que chamava de mãe. Aquela artimanha de Miriam já era esperada. Anitta sabia que a mulher usaria todas as opções que tinha para fazê-la desistir do divórcio, mas ela não desistiria.

— Não vim aqui para falar disso, eu vim falar da minha decisão. E ela não está aberta a mudanças, mamãe.

Miriam sorriu. Era a primeira vez que Anitta ia contra suas vontades e por mais que não quisesse aquele divórcio, gostava de saber que a filha tinha mudado. Mudanças eram sempre bem vindas.

— Eu só queria te lembrar de um sacrifício que fizemos por você. Você tem que retribui-lo, minha filha.

— Mamãe, por favor, não quero entrar nesse assunto. Não estou aqui para isso e...

— Eu lembro como se fosse ontem. Era seu aniversário de dezoito. Seu pai estava radiante, você também. Eu tinha dito que dar uma casa pra você e seus amigos bêbados era um erro, mas seu pai não me escutou. Ninguém contrariava a menininha dele, não é?

Anitta abaixou a cabeça, encarando o gramado sob os pés. Não queria reviver aquelas lembranças malditas, mas a mãe parecia empenhada em fazê-la surtar.

— Eu sabia que você era uma irresponsável e que dali não ia sair coisas boas. Você não me escutou, Anitta. Sabe que eu te considero sortuda por não ter matado mais ninguém, além do seu namorado, quando decidiu dirigir estando tão bêbada que nem se lembrava do próprio endereço.

— Eu não matei o Daniel!

Anitta se levantou, tirando a coragem de onde não tinha para encarar a mãe de igual para igual. A respiração estava pesada e os olhos ardiam querendo chorar, mas ela sabia que não podia dar aquele triunfo à mãe.

— Você o matou, Anitta. Você o matou quando empurrou ele na piscina mesmo ele dizendo que não sabia nadar. Você o matou quando ele implorou por ajuda, e você não o salvou mesmo sendo uma nadadora exemplar. Ele estaria vivo se não fosse por você. Ele confiou em você. Ele amava você. E o que você fez? Você o matou!

Anitta não queria se lembrar daquela noite, mas era inevitável. Ainda vívida na memória, a mulher se recordava de tudo, de todos os detalhes. Se lembrava de sair da própria festa para ir para casa com Daniel, se lembrava de dirigir bêbada e não habilitada, se lembrava de chegar ao jardim e dar a ideia de nadarem antes de irem para o quarto. Daniel era seu namorado há seis meses, e diferente dela, não vinha de uma família abastada, o que contribuiu para Anitta sair ilesa da investigação do desaparecimento dele. O dinheiro e a mãe tinham a livrado de anos de cadeia.

— Eu já disse que foi um acidente! Eu estava bêbada, ele também estava.

— Claro que estavam bêbados, você nunca conseguiu segurar seus vícios, não é? Vício em controle, vício em álcool e agora, vício em sexo. Eu sei porque quer o divórcio e é por saber o motivo que eu não vou deixar isso acontecer. Você me deve isso, a mim e ao seu pai, mas nunca se esqueça que se você tivesse ligado para a emergência, Daniel estaria aqui.

Aquilo foi como um soco na cara da mais nova, principalmente por saber que se tratava de uma verdade. Assim que percebeu que Daniel não estava brincando ao pedir ajuda, Anitta congelou. Não entrou na piscina e o salvou, apenas travou e não se moveu para ajudá-lo. Quando conseguiu reagir, já era tarde demais. Ou ao menos foi o que ela achou. Tempos depois, Anitta descobriu que Daniel só morreu porque não chamaram socorro a tempo.

A família do garoto fez diversas campanhas procurando por ele, já que assim que Miriam e Mauro chegaram em casa e viram o que tinha acontecido, a primeira decisão foi dar um jeito no corpo para evitar uma acusação de homicídio. A decisão partiu da matriarca da família, é claro.

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