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Ao entrar na firma em que trabalhava, Suzane fez um tremendo esforço para mudar a fisionomia extasiada e conflitante de há pouco. Leandro não podia perceber que algo havia acontecido. Estava atrasada, e ele, com certeza, iria perguntar, mas ela jamais poderia lhe dizer a verdade. Precisava inventar uma desculpa convincente para lhe dar, embora não conseguisse pensar em nenhuma. Não tinha família que a retivesse, e o trânsito era o de sempre. Podia inventar um acidente, mas ele nada veria nos jornais e acabaria suspeitando. De qualquer forma, não custava nada arriscar. 

Leandro veio logo ao seu encontro, com seu sorriso encantador e sua usual gentileza. Beijou-a discretamente no rosto e falou em voz baixa

- Você demorou. Já estava ficando preocupado. 

- O ônibus em que eu estava entrou pela traseira de um carro. Não foi nada grave, mas deu um rolo danado. 

- É. Sei como são essas coisas. 

Ela se sentia tremendamente mal por estar mentindo para Leandro, contudo, não via outra saída. Ele era um rapaz maravilhoso e bastante compreensivo, mas nenhum homem apaixonado iria compreender os beijos que a namorada trocara com outro. Muito menos aceitar, e ela não podia pôr em risco os seus planos de casamento.

Preciso comprar um celular para mim - comentou. - O que eu tinha era de Brasília. 

- Você está coberta de razão. Vamos providenciar isso imediatamente. 

- Quando receber meu primeiro salário... 

- Nada disso - cortou ele. - Hoje mesmo vamos comprar um. Prometi ao meu pai que jantaríamos com ele. Podemos dar uma passada no Barra shopping e comprar o celular. 

- Mas eu ainda não tenho dinheiro. 

- Quem falou que é você que vai pagar? Vai ser um presente meu. Aliás, já devia ter feito isso há muito tempo. 

Ela não discutiu mais, oscilando entre a alegria e o remorso. A sensação de prazer que experimentara com o beijo de René ainda permanecia em seus lábios. Seu coração começou a disparar, e lágrimas miúdas subiram aos seus olhos, mas ela conseguiu impedi-las de cair. Não podia se dar ao luxo de escolher um namorado pobre. Gostara do que vivera com René, mas ele jamais serviria a seus propósitos. Casar-se com ele não a levaria de volta ao mundo dos ricos nem a ajudaria a vingar-se de Cosme.Novamente o remorso a incomodou, e ela fitou Leandro, que se ocupava em verificar um projeto com seu sócio Jorge.

Ao vê-lo ali tão próximo e tão amoroso, seu coração abrandou, e uma onda de ternura a invadiu. Estava com Leandro porque ele era rico, mas não era só isso. Gostava dele também.Durante o resto do dia, tentou concentrar-se no trabalho, até que, encerrado o expediente, Leandro e ela foram direto ao Barra shopping. Um mal-estar insuportável a acometeu quando ele lhe comprou um celular último tipo, de alta tecnologia e preço exorbitante. Teve vontade de recusá-lo, todavia, estava agora muito comprometida com aquilo tudo para voltar atrás. Tentou convencê-lo, ao menos, a lhe dar um modelo mais simples e mais barato, mas ele recusou terminantemente. 

Sem remédio, ela aceitou o presente a contragosto e lhe sorriu num agradecimento sem jeito. 

- Não precisa ficar embaraçada - disse ele. - Isso não é nada de mais.

Estava conseguindo o que queria, mas não se sentia nada feliz. No entanto, precisava persistir se não quisesse abrir mão de seus objetivos. 

- Não estou acostumada a que me dêem presentes caros. - desculpou-se ela. - Apenas os meus pais me compravam coisas assim.

 A lembrança dos pais lhe pareceu tão remota que ela voltou os seus insistentes pensamentos para eles. 

- Seus pais tinham dinheiro? - indagou Leandro, surpreso com o fato de que os pais dela podiam lhe comprar presentes caros. 

- Tinham... - a respondeu, temendo haver revelado demais sobre a sua vida. 

- Você nunca me disse isso. 

- Estou dizendo agora.― Mas o que aconteceu? Por que a deixaram sem nada? Eles tinham muitas dívidas? 

- Não - disse ela hesitante.- Um nó na garganta embargando a sua voz. 

Começou a chorar, e Leandro a abraçou com carinho: 

- Deixe isso para lá. Eu não devia ter perguntado nada. Deixei você triste, mas quero que saiba que farei tudo o que estiver ao meu alcance para minimizar, um pouquinho que seja, toda dor que você sente. 

- Você é um homem maravilhoso, Leandro - murmurou emocionada, apertando a sua mão com um sorriso trêmulo de lágrimas. 

- Não me sinto digna de alguém feito você. 

- Mas o que é isso? Não diga uma bobagem dessas. Você é uma garota muito especial. 

- Você não me conhece. O que sabe sobre mim? 

- Não preciso saber mais do que já sei para ter certeza de que a amo. 

- Perdi tudo o que tinha. Meus pais me deixaram bem, mas meu tio Cosme me roubou tudo.

- Roubou? Como? 

Lentamente, Suzane lhe contou tudo, desde quando o tio roubara a sua herança até descobrir que era adotada. 

- Como você reagiu à descoberta da adoção? - interessou-se Leandro, agora surpreso e comovido. 

- No começo, senti certa revolta. Depois veio o desespero. Agora, só o que sinto é tristeza e uma profunda saudade. Eu amava meus pais e tenho certeza de que fui muito amada por eles. Perdê-los foi o mais doloroso. 

- E os seus pais biológicos? 

- Nem imagino quem sejam. 

- Será que não podemos tentar descobrir? 

- Como? 

- Seu tio não sabe de nada? Ele deve saber. 

- Pretendo nunca mais dirigir a palavra a meu tio novamente -revidou ela com raiva. ― E ele nem é meu tio de verdade. 

Ao lado de Suzane, o espírito de Roberval acompanhava cada palavra daquela conversa, demonstrando satisfação com o rumo que as coisas começavam a tomar. Nada no mundo acontece por acaso, e Suzane estava bem próxima de conhecer essa verdade. Cada acontecimento é programado, todos os destinos estão entrelaçados, de forma que a sucessão de fatos, acasos e coincidências nada mais é do que a sabedoria divina agindo nas vidas de todas as pessoas.

Naquele momento, porém, Suzane ainda estava um pouco distante dessa compreensão, e o seu sentimento era de mágoa e revolta.Esquecera-se de René por alguns instantes. Lembrar o passado aproximou-a de Leandro, que foi amoroso e compreensivo, tornando-se cúmplice e partícipe de seu segredo mais doloroso. Durante alguns instantes, permaneceu fitando-o, imaginando se ele não poderia vir a ser o homem da sua vida. Sentia por ele uma irresistível confiança, como se fosse o único no mundo capaz de entender os seus problemas. 

Estava confusa com seus sentimentos, mas queria muito que seu coração se voltasse para ele.Depois de alguns minutos, o celular tocou. Era o pai de Leandro, perguntando se eles se haviam esquecido do jantar. 

- Não, pai, já estamos indo - disse ele. E, olhando para Suzane, acrescentou: - Você está bem? Se não quiser, posso desmarcar. 

- Não, estou bem. Não quero me enterrar nessa história. Preciso superar e continuar vivendo. 

-Tudo bem. Estamos a caminho, pai. 

Os dois se levantaram e entrelaçaram os dedos, e Suzane apoiou a cabeça no ombro de Leandro. Em silêncio, pagaram o estacionamento, passando pela porta de vidro automática, e Suzane mal reparou no homem que vinha entrando e que a encarou com ar confuso....  

A lembrança dos pais lhe pareceu tão remota que ela voltou os seus insistentes pensamentos para eles. 

Gêmeas - Não se separa o que a vida juntouOnde histórias criam vida. Descubra agora