Aquela não seria uma noite convencional na pequena cidade de Barrado Bugres, em Mato Grosso, a 150 km de Cuiabá, onde apenas os uivos dovento acompanhavam a agonia de Severina, que se retorcia na cama com asdores do parto. Fazia já sete horas que praticamente agonizava, sentindo ascontrações aumentarem a cada minuto, a barriga estufando como se, aqualquer momento, fosse estourar.
A parteira enfiava, sem cerimônia, osdedos entre suas pernas, tentando localizar os gêmeos que lutavam entre sipor uma chance de vida.
- Será que não é melhor chamar um doutor? - sugeriu Robervaltimidamente, apertando nas mãos o chapeuzinho roto de lavrador.
- Não, não, não - objetou a parteira severamente. ― Médico, nempensar.
- Mas ela está sofrendo...
- Isso não é nada. Passa logo. Em breve os bebês nascem e tudo seacaba.
- Mas Dona Leocádia, a coisa parece feia. Minha Severina não vairesistir.
- Saia daqui, homem! - gritou ela, enxotando Roberval para fora doquarto.
Roberval saiu cabisbaixo. Não entendia o que dera em Severina paracontratar os serviços daquela mulher esquisita, que aparecera na roça derepente, intitulando-se parteira, justo quando ela estava para ganhar criança.Ainda se lembrava do dia em que conhecera Dona Leocádia. Ela chegara comares de figura importante, perambulando entre as ruas com olhos ávidos.Andou para cima e para baixo, sempre observando tudo, até que bateu comos olhos em Severina e seu ventre ainda pouco intumescido de quase quatromeses de gravidez.Com muito jeito, aproximou-se de Severina e fez amizade com ela,dizendo-se parteira interessada no seu bem-estar. Roberval achou aquilomuito estranho, mas Leocádia começou a fazer-lhes visitas diárias e a dar-lhesconselhos sobre a saúde da mulher e do bebê. Trazia coisas gostosas paraSeverina comer, dava-lhe remédios e vitaminas, tudo para garantir que acriança viesse ao mundo saudável e forte.
Em pouco tempo, virou amiga íntima, conselheira e confidente. Nãohavia lugar a que Severina fosse que Leocádia não a acompanhasse. Elesmoravam num casebre afastado da cidade, de onde Roberval seguia a pé até a fazenda em que trabalhava, enquanto Severina cuidava da casa. Leocádiaencontrou uma casinha simples para alugar, bem na periferia, e ia visitá-lostodos os dias, sempre interessada na gravidez da mulher.Roberval achou aquilo tudo muito estranho, mas Severina dizia queLeocádia era uma boa pessoa e iria ajudá-los a mudar de vida. Ele indagavacomo e por que, mas as respostas de Severina eram sempre lacônicas, e eleficava sem entender. Dona Leocádia, por sua vez, parecia ignorá-lo.
Cumprimentava-o polidamente, mas não lhe dava atenção, e sempre que eleperguntava alguma coisa, ela lhe endereçava um sorriso frio e mudava deassunto.O tempo foi passando, e ele acabou se acostumando com a presençade Leocádia, desagradando-se, contudo, com os exames periódicos que elafazia em Severina. Roberval questionava aqueles procedimentos,aconselhando a mulher a procurar um médico da cidade, mas Severina eracategórica:Dona Leocádia era parteira competente e muito mais confiável do queos médicos do hospital municipal, que tinham outros doentes para atender enão teriam com ela o cuidado que o bebê merecia.Longe do que ele e Severina imaginavam, ela estava grávida degêmeos. Gêmeos! A vida já era difícil sem filhos. Com um seria penoso.
Comdois, praticamente impossível.Mas, o que fazer? Roberval era religioso e aceitava com passividade oque Deus lhe enviava. Assim que ela engravidou, os dois até que se alegraram,apesar da miséria em que viviam e das dificuldades que encontrariam parasobreviver dali em diante. Quando Leocádia, após breve exame em Severina,constatou que eram gêmeos, tudo pareceu desabar para ele.Estranhamente, contudo, Severina abriu um sorriso e o tranqüilizou.Que não se apavorasse. Que tivesse calma e confiança. Tudo se resolveria deuma forma serena e segura para todos, e ela acreditava naqueles que aamparavam e que não os deixariam sós numa hora tão difícil. Para Roberval,Severina se referia a Deus e aos santos da igreja, o que, de certa forma,deixava-o um pouco mais calmo e confiante.E agora, sentado na sala da casinha simples de Leocádia, Robervalorava em silêncio, pedindo a Nossa Senhora do Bom Parto que amparasse suaSeverina. Os gritos da mulher retiniam em seus ouvidos, fazendo-o estremecera cada vez que os ouvia. Ela sofria e parecia que ia morrer.
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Gêmeas - Não se separa o que a vida juntou
SpiritualLivro escrito pela autora Mônica de Castro, apegada ao espiritismo e foi nesse mundo onde conhece Leonel, um espírito que mostra a ela história que teve com seu amor ainda em vida. Acreditando ou não em espiritismo eu peço que se permita ler essa n...