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Com certa impaciência, Gilson aguardava que Graziela e Suzane chegassem. O encontro em casa de Amélia seria demorado, mas ele não podia esperar até o dia seguinte. Podia ser tarde demais. A todo instante, consultava o relógio. Como demoravam! 

Queria acabar logo com aquilo. Sabia dos riscos que corria, mas era a única saída. A conversa com Renato ainda martelava em sua mente, e ele não podia permitir que o pior acontecesse. Não queria tomar aquela atitude drástica e tudo fizera para impedi-la, mas Renato não compreendia e praticamente o forçava. 

Um homem, todo vestido de preto, estava à espreita em frente ao edifício de Graziela. A noite estava escura, e ele se ocultou do outro lado da rua, atrás de um quiosque pouco freqüentado e fechado, àquela hora tardia de segunda-feira. 

Gilson se esforçara ao máximo para pôr um fim naquela história. Até se submetera ao ridículo papel de chantagista barato, indo procurar Suzane em sua casa para lhe oferecer dinheiro. Mas ela era corajosa e não se intimidara, o  que deixou Renato ainda mais furioso. Ele não tinha outra saída. Precisava correr o risco e acabar com aquilo antes que o pior acontecesse. E nem conhecia aquela Graziela! O endereço que Renato lhe dera só servira para que ele a encontrasse naquele momento. Devia tê-la procurado antes, mas o resultado com a menina o deixara sem ânimo. Era um covarde. 

Finalmente, um carro embicou no portão da garagem, e o homem sentiu o coração disparar. Como era costume em todos os prédios do Recreio, não havia porteiro à noite, de forma que Graziela teria que acionar, ela mesma, o controle remoto do portão eletrônico e esperar até que se abrisse o suficiente para passar com o carro. Isso lhe daria o tempo necessário para se aproximar e agir. De onde estava, o homem assistia a tudo com uma expectativa crescente, olhando para os lados a todo instante, à espera de que algo acontecesse. Ouviu o sinal sonoro do portão, constatando que ele começava a abrir. Mais um pouco, e Graziela estaria do lado de dentro, mas o portão ainda teria que fechar, e o tempo que ele gastava para fazer o percurso de volta sobre o trilho era mais do que suficiente para qualquer ação ofensiva. 

Era agora ou nunca!

O homem saiu das sombras. Com a rua deserta, atravessou correndo a avenida, sem ser notado, alcançando o automóvel de Graziela antes que ela tivesse espaço para passar com o carro para o lado de dentro. Ela levou um susto ao sentir a aproximação daquele vulto e pensou em acelerar e bater no portão, mas o revólver apontado para ela a encheu de pavor, e ela tirou o pé do acelerador e olhou para ele. Mesmo com o vidro fechado, reconheceu o homem, e duas lágrimas de revolta e indignação escorreram de seus olhos, desmentindo o que ela pensava ser um assalto a princípio. Ela sabia por que ele estava ali. De repente, os olhos grudados no cano do revólver, sua memória retrocedeu vinte anos, e a figura daquele homem impassível, com uma de suas filhas nos braços, ressurgiu em suamente. 

A constatação a encheu de terror. Graziela estava diante do homem que friamente atirara em Roberval, na noite em que lhe tomaram os bebês. E ele estava ali para matá-la, a ela e a Suzane, porque tinha muitas coisas a perder. Naquele momento, Graziela só podia pensar em Suzane e na juventude de que ela seria tão brutalmente privada. 

O olhar de Suzane era também de pavor, e Graziela apertou a sua mão, como a lhe dizer que não deveria ter medo. Lembrou-se de Aécio e dos sonhos que tinha com o marido morto, e, já acostumada à fatalidade, achou que era obra do destino que sua vida terminasse assim. Contudo, se conseguisse, com seu corpo, proteger o corpo de Suzane...

Tudo sucedeu muito rápido. De olhos fechados, Graziela orava em silêncio, segurando a mão fria e molhada de Suzane, que já ameaçava entrarem pânico. Não viu o dedo de o homem pressionar o gatilho, mas sentiu a presença da bala a poucos centímetros da sua cabeça. 

Gêmeas - Não se separa o que a vida juntouOnde histórias criam vida. Descubra agora