Capítulo VII

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A madrugada se arrasta, e junto a ela, meus sonhos também. Sonhos em que imagens sambam diante dos meus olhos fechados, mas que não passam de meros borrões desfocados.

E a única certeza de que tenho, é de que estou perdida. Perdida em um olhar sombrio e de ferro em brasa, que me queima e ao mesmo tempo me atrai. Uma força tão intensa que chega a ser impossível não ser consumida por ela. Sutil e tentadora; as palavras que pairam diante de mim. Um olhar que poderia ser o Sol, e eu o Ícaro, que segue com tanta ânsia em sua direção. Cada vez mais cobiçado a descobrir o que aquele ponto de luz esconde. Mas então, tudo fica escuro. Tudo se apaga e a sensação de estar caindo me invade, fazendo-me perguntar até quando pode durar esse frio no estômago e até quando posso suportar a queda. E antes que eu possa atestar que é o fim, capto um último relance da mesma luz de poucos instantes antes. Mas agora sei que não é o Sol. E sim, um par de olhos em chamas, escondidos sob a escuridão dos cantos da minha mente...

**********

Acordo.

Remexo-me um pouco na cama, me livrando das cobertas que me envolvem dos pés a cabeça com um chute, mas não abro os olhos. Tateio o colchão, que parece ter ganhado alguns centímetros a mais, em busca de uma superfície gelada, reacomodando minha cabeça no travesseiro, que afunda novamente com o peso dela.

Respiro o ar que contém uma fragrância muito gostosa de canela e uma manhã de Sol, soltando um suspiro em seguida. Esse era um cheiro muito familiar. Um cheiro que poderia identificar mesmo há quilômetros de distância. O cheiro da minha mãe...

Abro os olhos, espantada, e quase caio da cama quando os mesmos se ajustam à realidade e me dou conta de onde estou. Não é o mesmo quarto que me lembro de quando fora dormir - por mais sonolenta que estivesse. Mas, também não é totalmente desconhecido.

Olho para o relógio, em cima da cabeceira, que tiquetaqueia para mim. Ainda são quatro da manhã. O Sol mal surgira no horizonte.

Estou em uma cama de casal de madeira branca, com uma cabeceira toda esculpida exibindo um entalhe familiar de um casal de passarinhos. A colcha de patchwork ao meu lado ainda está intacta, contrastando com a bagunça que eu fiz no lado em que eu me encontro. Como vim parar aqui?

As paredes são pintadas em tons neutros de bege, e alguns móveis ocupam o quarto, como uma cômoda, uma escrivaninha e um armário. Tudo muito simples, mas clássico e charmoso.

Levanto-me de um salto, reconhecendo cada centímetro do lugar. Estou no quarto dos meus pais.

Não faço a menor ideia de como vim parar aqui. A última coisa de que me lembro, é de me despedir de Holly e logo depois ir deitar no meu quarto, caindo no sono em seguida e sonhando com olhos de ferro em brasa. Um arrepio se espalha pelo meu corpo.

A ideia de alguém me carregando e me pondo na cama dos meus pais, exatamente no lado em que minha mãe dormia, parece impossível. Duvido que Holly o tenha feito. Já é muito velha para me carregar no colo, além de viver reclamando de sua artrose. Então a única explicação racional para isso, é a de que eu virei sonâmbula. Eu nunca tive um caso como esse. Sei que falo dormindo, pois Sky e meus pais sempre faziam piada disso, mas sonambulismo é algo novo para mim.

Cruzo os braços na altura do peito para espantar o frio - e não estou falando da temperatura. Percebo que a porta está entreaberta. Caminho até ela, e checo o corredor do lado de fora. Se ficar bem quieta, posso até escutar o som leve da respiração de Sky, que dorme de porta aberta, no quarto ao lado. Holly por outro lado, fechou a sua. Volto para dentro, também fechando a minha com cuidado para não fazer barulho.

Arrumo de volta os lençóis e a colcha na cama, deixando-os tão esticados quanto o lado em que papai dormia. Cada minuto que passo aqui traz de volta à minha mente todas as lembranças de infância, desconstruindo o muro que fiz em torno delas. Aqui, dentro desse cômodo, o muro é totalmente demolido e reduzido a nada.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora