A primeira coisa que percebo quando passo pelo portão da casa é a nova pintura na porta. Não há mais os vergões e os enormes arranhões que a personalizavam. No lugar disso foram postas algumas pinceladas mal feitas de tinta branca, para encobrir as imperfeições. Mas não é só isso que chama minha atenção. As flores que adornam as janelas, que agora sei que são mudas de acônitos, parecem terem sido regadas recentemente. Posso sentir o cheiro da terra molhada. Meu carro não está mais estacionado no quintal, e me pergunto se foi posto para dentro da garagem.
Eu tomo alguns fôlegos de ar, devido à longa caminha até aqui. Meus pulmões estão queimando e minha garganta está seca. Meu coração se encontra na mesma sobrecarga de sempre. E uma dor aguda na lateral do meu corpo me fez desacelerar durante o caminho. Além de cada músculo do meu corpo implorar por um descanso de pelo menos alguns segundos.
Eu não preciso mais me importar em esconder minhas mãos. Não acho que esteja visível a olhos curiosos no meio do fim do mundo que chamo de casa.
Dou uma longa olhada em minhas garras. São muito grandes e afiadas, e parecem cada vez mais assustadores. Não posso deixar de negar que isso me faz sentir perigosa.
Percorro o caminho até a entrada, e analiso a porta. De perto, os detalhes ficam mais visíveis, e vejo que a tinta ainda está fresca. Eu ainda posso ver as marcas dos sulcos, e agora sei exatamente que outro lobisomem fez isso, pois consigo encaixar perfeitamente todas as garras de uma das minhas mãos nas marcas cravadas na madeira. Parece que as coisas vão começar a clarear agora... Mas eu percebo que há algo estranho. Tirando o fato de uma porta mais ou menos novinha em folha, porque alguém perderia tempo de pintá-la? E o mais importante: porque a tinta tem cheiro de Wolfsbane?
Eu conheço muito bem o cheiro de tinta quando está fresca, e definitivamente não tem esse cheiro. Parece que a tinta foi diluída em acônito.
Corro até a porta dos fundos e percebo que o mesmo aconteceu. Eu me lembro sobre o que Hayden me disse sobre os círculos feitos de acônito... Então contando que cada janela ou entrada da casa está repleta dele, alguém acha que precisa manter algo trancado dentro da minha casa. Ou não quer que algo entre. Algo que nitidamente pertence ao sobrenatural.
Eu estou novamente à procura da chave reserva da casa, mas a encontro mais facilmente desta vez. Minhas mãos estão tremendo, e eu a deixo cair no chão.
Quando vou recuperá-la, descubro que é uma tarefa quase impossível. Ter garras é um tanto quanto complicado. É incrivelmente difícil pegar objetos pequenos com elas.
Começo a soltar um punhado de sons e ruídos frustrados, e um grito abafado deixa meu peito. E então eu opto pela alternativa mais fácil; eu me levanto e com um único chute eu abro a porta.
Entro dentro da casa e como acabo de arruinar a maçaneta, sou obrigada a por as costas inclinada de uma cadeira contra ela. Eu faço uma nota mental de arranjar um martelo e um parafuso nas ferramentas de papai, e pregá-la mais tarde. Começo a percorrer os cômodos:
─ Scarlett?! – Eu começo pela cozinha e depois pela garagem. E descubro meu carro estacionado ali. – Sky, você está aqui?
Subo as escadas, os degraus voando sob meus pés, e vasculho os quartos, o tempo todo chamando por ela. Olho os banheiros, dentro dos armários, debaixo das camas, o quarto dos meus pais e o de Holly, mas ela não está aqui. E eu sabia disso desde o momento em que pus os pés na varanda. Mas eu me recuso a parar de procurá-la. Eu me recuso admitir que não sei para onde Benjamin e a Freya levaram minha irmã. Recuso-me a admitir que deixei sozinha a única responsabilidade que eu de fato deveria ter.
Ando de um lado para o outro no corredor da casa, pensando e pensando e pensando... Onde mais eu posso procurá-la? Onde posso encontrar Benjamin? Onde posso encontrar Freya? Será que Benjamin já chegou a casa e viu que eu saí? Será que Hayden também está envolvido nisso? Será que sabe que fui mordida? E será que sabem que eu estou muito prestes a me transformar?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre Lobos & Flores - Livro 1
WerewolfLivro 1 Alguns dizem que o passado é como uma porta fechada, cuja chave foi jogada fora. Dizem que depende de você, em algum momento da vida, olhar pelo buraco da fechadura ou não. Mas, e se a porta sempre esteve aberta? E se o passado sempre estev...