─ Maddie, eu preciso que cuide de sua irmã no sábado. Eu vou ter que fazer uma viagem. - Thomas disse à menina sem tirar os olhos da estrada, por onde seguiam o caminho para casa.
─ De novo? Quantas vezes vai ter que ficar fora, pai? - Ela soltou um suspiro cansado, e colocou uma mecha do cabelo loiro atrás da orelha. Cruzou os braços na altura do peito, mirando um pondo indefinido no horizonte através da janela do carro.
─ Só mais algumas. Eu prometo. - Respondeu o homem, pondo uma das mãos no joelho da garota, o apertando, em um pedido silencioso de compreensão. Ele teve dificuldades para acreditar nas próprias palavras, mas mesmo assim pôs no rosto um sorriso que não chegou muito aos seus olhos.
─ Você sempre promete isso. Eu já conheço seus truques, pai. - Maddie retribui fracamente o sorriso, retornando seus olhos ao belo perfil de Thomas.
─ Nem todos. - Falou, batucando no volante o ritmo da música que tocava no rádio. - Que tal fazermos um acordo?
─ Tem que ser um acordo muito bom. Você vai me fazer perder o jogo de sábado. - O sorriso se ampliou no rosto da garota, tornando impossível não corar um pouco ao pensar em seus planos.
─ Desde quando se interessa por futebol americano, Madeline? - Thomas lançou um olhar duvidoso a ela. Depois levantou uma sobrancelha, com um sorriso astuto brincando em seus lábios: - Ah, sim... Eu esqueci! Desde que aquele garoto entrou para o time, certo?
Madeline corou e tentou cobrir o rosto com uma cortina de cabelo, bufando para ele. Depois balançou uma mão indiferente:
─ Não tem garoto nenhum, pai. - Disse na negativa.
─ Qual era mesmo o nome dele? - Thomas a ignorou, e continuou em um tom brincalhão. - Riley? Isso, isso mesmo! O nome dele é Riley. Até que ele tinha boa pinta...
Madeline tentou protestar, mas seu riso a traiu. Ela nunca conseguia fica séria com seu pai. Ele podia lê-la como um livro aberto. Era impossível esconder algo dele.
─ Então, qual é o acordo? - Ela perguntou, entre sorrisos, interessada na tal proposta.
─ Se você cuidar de Sky só mais uma vez, eu prometo comprar aquele super carro que você tanto queria. - Com uma rápida olhada para ela, viu seus olhos piscarem de alegria. - E olha só, assim você pode até levar o Riley para dar uma volta no seu carrão.
─ Super fechado. - Respondeu, com um enorme sorriso no rosto. - Não quebre a promessa, pai. Eu vou cobrar!
─ Ah, eu nunca ousaria. Palavra de escoteiro.
─ Você nunca foi escoteiro. - Maddie o denunciou.
─ Não estrague a onda. - Ele fingiu censurá-la.
A menina levantou as mãos, se rendendo e ele riu. EM seguida, começou a cantarolar a música do rádio.
Madeline aumentou o volume e se juntou ao pai. Ambos aproveitando o resto do tempo juntos, antes que o pai embarcasse em outra viagem. Seu emprego exigia que ele ficasse fora de casa por muitos dias, e a menina ficava em casa cuidando da irmã mais nova. Era sempre assim, já que a mãe havia morrido alguns anos antes. Mas essa viagem seria diferente. E a última delas também.
A estrada por onde dirigiam estava escura, e só alguns poucos postes de luz iluminavam o caminho, além do brilho dos faróis dos outros carros. Não faltava muito para que chegassem a casa, mas tudo aconteceu tão rápido quanto um abrir e fechar de olhos.
Thomas avistou um carro vindo em sua direção, em alta velocidade, e tentou desviar, com uma rápida guinada no volante para a direita. Maddie se assustou e tentou se segurar a algo. Ele perdeu o controle do veículo, devido a um pneu estourado, e antes que batesse nas árvores do acostamento, puxou com toda a força o freio de mão.
Os pneus cantaram.
Mas era tarde demais.
O carro capotou três vezes, e a menina foi lançada para fora dele, atravessando a janela da frente, mesmo estando de cinto. Ela ainda estava consciente quando isso aconteceu, mas sua visão ficava cada vez mais turva e escura, enquanto um nevoeiro tomava conta de seus pensamentos.
Dizem que quando se está próximo do fim, você vê sua vida, seus melhores momentos, lembranças e recordações passando diante de seus olhos. Mas não era isso que ela queria ver. Ela ainda queria que toda essa bagagem persistisse com ela. Ainda queria que mais lembranças fossem acumuladas em sua memória. Ainda queria viver. Era tão jovem para perder mais uma vez algo tão significativo...
Os outros automóveis que passavam em volta, já estavam parando para prestar socorros e sacando seus celulares para pedir ajuda. Os estranhos e curiosos já o cercavam. Os murmúrios e as suposições já estavam sendo feitas, e as sirenes já estavam sendo acionadas.
A última coisa que Madeline se lembrava, antes de seus se olhos fecharem e perderem o foco, era de ver seu pai ainda preso ao cinto de segurança do carro, de cabeça para baixo e aos pedaços, enquanto uma poça de sangue se formava a sua volta. Lembrava-se de ver os olhos de um azul tão intenso do pai, perderem totalmente o seu brilho, enquanto o caos se formava ao redor.
E por mais que a imagem fosse dolorida demais para que pudesse fixar os olhos por muito tempo, tentou memorizá-la, porque sabia que seria a última vez que o veria. Sabia que seria a última vez que cantariam canções juntos no carro, a última vez que ririam de piadas idiotas, a última vez que teriam conversas fáceis e sinceras, a última vez que se olhariam e sorririam como bobos um para o outro. A última vez que poderia chamar por "pai", e após alguns segundos, uma figura carinhosa e gentil a olharia com olhos atentos e prestativos.
Seus olhos se fecharam, e ela se deixou levar pela escuridão. Mal sabia ela que uma rota para uma nova viagem acabara de ser trassada...
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Entre Lobos & Flores - Livro 1
Manusia SerigalaLivro 1 Alguns dizem que o passado é como uma porta fechada, cuja chave foi jogada fora. Dizem que depende de você, em algum momento da vida, olhar pelo buraco da fechadura ou não. Mas, e se a porta sempre esteve aberta? E se o passado sempre estev...