Capítulo XXVIII - Parte I

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Nunca pensei que o fato de passar da forma humana para a de um lobo fosse algo tão agradável. É uma sensação incrível de leveza e libertação que preenchem cada canto do seu sistema, levando-o ao êxtase. Não posso imaginar como Hayden vive sem isso, preso a seus grilhões. Quanto mais você se permite libertar-se, mais agradável e viciante o processo se torna.

Não foi difícil voltar à humanidade. Eu apenas quis que isso acontecesse, e voilà! Humana de volta, do mesmo jeito que vim a esse mundo – literalmente. Eu estava completamente desnuda. As roupas que abraçavam meu corpo foram reduzidas a trapos que se espalharam pelo caminho, dando lugar a pelagem do animal.

E agora estou eu, em uma massa molhada debaixo da chuva árdua que ainda cai, nua ao pé da floresta, me escondendo por trás de galhos e troncos.

Eu consigo reunir de um varal qualquer a poucos metros, uma calça jeans que me aperta um pouco, mas que cobre minha nudez, e uma regata vermelha. Acho que a dona das roupas não vai se importar se eu pegá-las só por um instante – indefinido...

Volto para a rua principal, e ignoro os olhares que são lançados para meus pés descalços e minha aparência "selvagem". Eu tenho assuntos mais importantes a tratar do que olhares triviais.

Em poucos instantes, chego ao lugar que quero; uma casa linear simples, mas aconchegante, pintada na cor azul claro, com janelas brancas em arco, e um jardim muito florido, com as mais diversas flores e plantas. Exceto isso, a morada é um tanto quanto sutil para sua residente. Percebo que o carro não está estacionado no quintal, e não há garagem a vista. Talvez não esteja nesse momento. Mas eu posso esperar, tenho o dia todo, a vida inteira...

Cruzo a distância até a porta, e toco a campainha, me pondo debaixo da marquise. Espremo a água do cabelo enquanto espero alguns instantes, aguçando os sentidos, para ver se consigo ouvir algum ruído. Toco novamente o botão.

Tento ver pelas janelas, se há alguém em casa, mas é como olhar através de espelhos. Eu apenas consigo encarar a mim mesma. Mas não é só isso que a superfície espelhada mostra; meu reflexo está mascarado com as peculiaridades de um lobo; os olhos negros como a noite, os dentes afiados, as orelhas pontudas, as garras a mostra... Como em um estado intermediário entre a essência humana e a do animal.

Porém o mais curioso é quando desvio os olhos do espelho, e confiro todos esses atributos por mim mesma. Não há garras em minhas mãos, e não sinto minhas orelhas pontudas ou os dentes afiados quando os toco. É apenas uma ilusão de ótica. Como se a janela mostrasse aquilo que de fato sou, assim como aconteceu quando bebi a poção.

Eu toco novamente a campainha e esqueço meu dedo sobre ela, não mais distraída pelo "pseudo-reflexo". Encosto o ouvido na porta e me concentro em tentar ouvir o que se passa lá dentro.

Muito baixa, porém descompassada, está uma batida que começa a se tornar familiar para mim. Sei que a casa não está vazia.

─ Abra a porta! – Eu golpeio a madeira algumas vezes. – Eu sei que está em casa!

Toco a campainha novamente e apelo para alguns murros.

─ Eu não vou sair daqui enquanto não abrir a porta! – Aviso. Sei que pode me ouvir, assim como toda a vizinhança. Por último completo, em um tom de desafio: – Eu sei o que você é!

Assim que termino, parece que o estímulo tem seu efeito rápido; eu ouço o toc-toc dos saltos contra o piso, e as batidas se tornando mais altas e claras. Em seguida, a porta é aberta de uma forma brusca e descuidada, revelando quem esperava. E posso dizer que não está nada feliz.

Esconde-se por detrás da porta, deixando somente sua cabeça de fora, não revelando o interior da casa. Depois me avalia da cabeça aos pés, em uma mistura de aversão e descrença, e solta um ruído arrogante. É como se me enxergasse pela primeira vez desde que me viu.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora