Eu caminho enfurecida até o terceiro ponto de ônibus, enquanto amaldiçoo Benjamin o tempo todo. Não posso acreditar que o bastardo realmente ficou com minhas chaves! O que vou dizer a Holly? "Minha dupla de laboratório me deu uns amassos, eu o estapeei. De vingança ele pegou as minhas chaves. Nada com que tenha que se preocupar, Holly". Mas que idiota!
Eu tentei ir atrás dele, mas quando o encontrei, já estava em campo. Perguntei se Kane poderia fazer a gentileza de pegar minhas chaves de volta com seu amiguinho, mas é o mesmo que contar uma piada a um bobo da corte; não dá em nada, por que você é a piada. Então tive que tentar me virar. E uma coisa que aprendi durante o caminho é: nunca saia sem um guarda-chuva.
Não consegui pegar o ônibus da escola, e quando tive a brilhante ideia de ligar para Holly vir me pegar, um golpe de sorte me acertou em cheio; a bateria do meu celular tinha acabado. Nesse momento eu tive certeza de que quando visse Benjamin de novo, deixaria o outro lado de sua cara vermelha. Alguém deveria tatuar em sua testa: "Idiota. Não se aproxime!".
Então, depois de algumas horas perambulando de ponto em ponto, esperando o ônibus certo, e uma chuva com gotas maiores do que as minhas mãos, me ensopando dos pés a cabeça, já estou perto de chegar a casa. Agradeço mentalmente por minha mochila ser impermeável, se não, a essa altura eu estaria dizendo adeus a meu caderno de desenho e aos livros.
Faço sinal para que o motorista pare e desço do ônibus. Tenho que andar mais alguns metros até minha casa, porque, como eu já imaginava, não há condução que passe perto desse fim de mundo. Abro o portão e corro até varanda da casa, para me proteger da chuva. Percebo que o carro de Holly não está no quintal. Sky e ela ainda não chegaram, o que significava que...
─ Que merda, Benjamin! – Grito, furiosa, enquanto me lembro de que pendurei as chaves de casa no chaveiro do carro. Chuto a porta com força em um momento de frustração e raiva.
Tiro a mochila dos ombros e ando de um lado para o outro pensando no que fazer. Eu poderia facilmente abri-la com um grampo de cabelo ou um clipse de papel, como fazia quando esquecia as chaves de casa na Flórida, e Sky me deixava trancada do lado de fora rindo da minha cara. Mas depois de uma busca minuciosa por todos os bolsos da minha bolsa, essa ideia foi direto para lata de lixo mais próxima. Eu estou cansada, com fome, ensopada de água até o último fio de cabelo e pronta para pular no pescoço de Benjamin Ross – para matá-lo, é claro.
Como um estalo em minha mente, me lembro de que há uma chave reserva para cada uma das portas da casa. Idiota, como não pensei nisso antes?
Olho em baixo do tapete, em cima do portal, perto dos vasos e não encontro nada. Ainda tenho a esperança de que a porta dos fundos esteja aberta ou a chave reserva por perto.
Dou a volta na varanda e começo a procurar. A temperatura cai mais a cada minuto. Um vento forte e gelado faz minha pele se arrepiar e a cadeira de balanço entrar em seu ritmo assombroso com mais vigor. Quase dou pulinhos de alegria quando passo a mão na parte de cima do portal e uma solitária chave prateada cai no chão. Pego-a de volta e destranco a porta. Porém, quando estou prestes a abri-la, não sei se ouço certo, mas escuto meu nome ser chamado.
Olho para os lados e depois me viro em direção ao quintal. O crepúsculo e a chuva torrencial me impossibilitam de ter uma visão clara do início da floresta, tornando o que está além dela nada mais que um borrão escuro, onde mais uma vez minha mente me prega imagens dos galhos das árvores se assemelhando a braços prontos para agarrarem qualquer um que ouse entrar floresta adentro. Dou alguns passos vacilantes em direção aos degraus da varanda:
─ Olá?! – Chamo, mas minha voz é quase inaudível por debaixo do barulho da chuva. Um trovão seguido de um relâmpago corta o ar, fazendo meu coração saltar e um zumbido soar em meus ouvidos.
─ Madeline! – Ouço novamente, e por mais que a voz seja baixa, ela soa conhecida. – Venha até aqui!
Curiosa – e burra –, desço os poucos degraus da varanda, saindo debaixo da marquise e ficando na chuva novamente. Dou alguns passos em direção às árvores, parando poucos metros antes de entrar de fato na floresta. A luz do poste que ilumina o quintal tremula sobre o cenário, formando as tais sombras dançantes. Posso sentir o cheiro forte da terra molhada.
─ Eu estou aqui! – Grito de volta. Não há resposta. Forço meus olhos a enxergarem um pouco além. Abraço o corpo tentando espantar o frio.
─ Mais perto! – A voz vem acompanhada de uma movimentação, dessa vez. Alguns arbustos chacoalham e um som de galhos se quebrando chega aos meus ouvidos. Dou um passo para trás instintivamente. – Não tenha medo.
Essa voz...
─ Pai?! – Não seja ridícula, Madeline. Seu pai está morto. O som é perturbadoramente parecido. Mas eu sei que não é verdade. Apenas uma coincidência. Uma coincidência.
─ Venha. – Fala.
Movidos por algum sentimento desconhecido ou a ilusória esperança de que Thomas estivesse de fato ali, meus pés começam a dar passos floresta adentro sem o meu consentimento. O pouco de luz que o crepúsculo proporciona é o bastante para iluminar o caminho a minha frente, quando não atenuado pela sombra das copas das árvores. Meu coração a essa altura já está em sua corrida diária.
Um relâmpago, por alguns poucos segundos, me permite ter uma breve visão de tudo a minha volta. É quando paro, intrigada com o que vejo. Ao longe, eu avisto a movimentação novamente. Há algo por entre as árvores, mas não sei dizer o que é.
Começo a dar passos cautelosos para trás, ainda sem me virar, abandonando a voz que me trouxe até aqui. O tempo todo seguindo o movimento fluido dos arbustos com os olhos. Minhas costas batem contra o tronco de uma árvore e eu fico ali, parada, apenas respirando ofegante e atenta aos ruídos a minha volta. Não é mais possível ver a agitação das folhas e o que pode estar escondido por detrás delas.
E então, quando me desgrudo do tronco e decido percorrer meu caminho de volta, percebendo o quão idiota foi seguir a suposta voz de Thomas, eu o vejo; prostrado somente a poucos metros de mim, a saliva correndo por sua mandíbula, e os olhos tão brilhantes como me lembro, fixados em mim. Tenho certeza que consegue ouvir claramente as batidas fortes e rápidas do meu coração.
De perto, é ainda maior. Acho que seria possível montá-lo. A pelagem varia do cinza ao preto, se confundindo com as sombras. As patas são maiores que as minhas mãos e as orelhas estão aguçadas. Um rosnado baixo sai de seu peito, enquanto é possível ver a nuvem de condensação que sai de suas narinas. Não é Hayden. Ele não poderia estar ali. Não é o território dele. Não pode se transformar fora de seu claustro. Eu tenho certeza de que é o lobo que tanto me atormentara por alguns dias. O mesmo que fez questão de me receber quando cheguei a casa.
Dou um passo vacilante para trás, assim como ele avança um também. Aquele não é meu pai, e sim, Olhos em Brasa fazendo jus a seu nome. Estão tão brilhantes como antes, fazendo com que toda a minha atenção seja roubada para eles. Por isso, tropeço ao dar mais alguns passos para trás e caio, fazendo com que mais um rosnado gutural emane de seu peito. Fico paralisada ao ver seu corpo fazendo movimentos fluidos em minha direção.
O ar congela em meu peito.
Em poucos segundos, toda a enorme estrutura do lobo está em cima de mim, com seu rosto tão perto do meu que é possível sentir seu hálito quente em meu rosto. Ele arreganha os dentes, mostrando os caninos enormes, intimidando-me e me fazendo enrijecer debaixo dele.
Meu coração está no auge de suas batidas. Consigo escutar claramente a respiração pesada do animal, enquanto seu peito sobe e desce. Somente alguns poucos centímetros separam nossos rostos.
Desvio meu olhar de sua mandíbula e foco em seus olhos. Há algo errado. Algo de muito errado com eles... Parecem estar perdendo todo o seu brilho. O amarelo quase ouro, quase em chamas, quase da cor do sol, agora dá lugar a um plácido e calmo verde. Olhos impossivelmente verdes. Como duas esmeraldas refletindo a cor resplandecente.
Encaro-os profundamente por alguns instantes. Minha mente juntando algumas peças que parecem se encaixar. Fazendo deduções que abrem novas portas repletas de dúvidas. Só vi esses olhos tão oblíquos, tão... familiares, somente em um lugar:
─ Benjamim?
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Entre Lobos & Flores - Livro 1
WerewolfLivro 1 Alguns dizem que o passado é como uma porta fechada, cuja chave foi jogada fora. Dizem que depende de você, em algum momento da vida, olhar pelo buraco da fechadura ou não. Mas, e se a porta sempre esteve aberta? E se o passado sempre estev...