Capítulo XXVIII - Parte III

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"A lua está em seu auge. É o único ponto vívido e rútilo na madrugada fria e cruel. Seu brilho orienta-se na copa das árvores, refletindo-se nas pequeninas gotas de orvalho, que parecem minúsculos cristais que tomaram o lugar das estrelas.

A cada dia que passa, o inverno nos consome com gula. A neve cai em delicados flocos, cobrindo a paisagem com um manto branco. A temperatura despenca um grau todos os dias, e consigo ver o ar que escapa por minha respiração espiralar na atmosfera gélida.

Não sei por quanto tempo corri. Por quanto tempo meus músculos foram dizimados a peças mecânicas de um robô. Por quanto tempo meus pulmões estiverem ardendo em brasa com todo o ar que lhes faltavam. Mas eu não podia parar.

E isso me trouxe até o Missouri. O território da alcateia que nos atacou. O grupo percorreu longas distâncias, e os caçadores que os acompanham, foram montados neles, como lordes em seus cavalos. Eu nunca vi uma aliança entre as duas raças. Sempre fomos às presas que viviam sob suas sombras. Mas parece que isso mudou.

Só que, embora mais fortes juntos, separados são inofensivos. São oito no total, metade de cada raça. Os lobos são como bestas, sedentas por sangue. Vira-latas de estimação dos caçadores. Mas os ouvi falando de um alfa. Alguém a quem eles respondem. E essa é a prioridade número um em minha lista.

Há alguns metros à frente, saindo da floresta, há o início de uma estradinha de terra, cuja neve foi afastada para os cantos, para dar lugar aos veículos. E mais a frente, quase um pontinho apagado que se move, está o grupo.

Continuo os seguindo, percebendo os primeiros rastros de civilização, depois de quilômetros de mata fechada. Há tochas que iluminam a área, além da luz da lua, me permitindo discernir as formas de moradias e armazéns.

Depois de alguns instantes, o grupo para em um local moribundo, semelhante a uma taverna, onde os caçadores descem dos lobos e ocupam os automóveis estacionados próximos ao lugar. Em instantes já estão na estrada, fora de vista.

O restante do grupo volta rapidamente à forma humana, veste agasalhos que tiram de dentro de um porta-malas, e depois adentra a construção. Um deles, o que se manteve sempre na retaguarda da formação do bando, antes de entrar, inala profundamente o ar, fungando algumas vezes, e depois passa os olhos pelo local a sua volta, e vejo que seu cenho se franze levemente.

Eu me mantenho escondido, na lateral de uma casa, que parece abandonada, enquanto o outro faz a sua revista. Felizmente, eu ouço alguém gritar um nome, "Erick!", e logo o fulano também se mete dentro da taverna.

Então este é seu nome; Erick. Ele é um dos mais fortes do bando. E um pouco mais astuto que os outros. Presta atenção nos sons e cheiros que o cercam. Houve um momento da viagem, em que achei que tivesse me visto segui-los, mas antes que ele pudesse procurar melhor, o caçador que o montava o obrigou a continuar a acompanhar o grupo. É um sujeito de uns bons dois metros, alguns músculos bem definidos e uma careca tatuada.

Arrependo-me quase instantaneamente quando volto à forma humana; o frio é insuportável. E logo me vejo percorrendo a distância até o porta-malas de onde o grupo tirou as roupas, com a esperança de que tenha restado algo que possa aproveitar. Mas o espaço está vazio.

No entanto, de algum lugar próximo à taverna, eu ouço uma confusão de gemidos e palavras obscenas se perdendo no ar gélido da noite. Varro rapidamente o local com os olhos, e vejo duas sombras bruxuleantes projetadas no chão da ruela onde a porta de trás do bar desemboca. Dou alguns passos vacilantes até ali, já imaginando a cena que começa a tomar vida em minha mente, e que de fato é a realidade diante de mim.

Imprensada contra a parede de tijolos da construção, está um moça, por volta dos vinte anos, não muito mais velha que minha irmã, com os braços sujeitos acima da cabeça, e a saia do vestido levantada até a altura dos seios, com as pernas arreganhadas, enquanto um sujeito maltrapilho se enterra com brutalidade dentro dela.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora