Capítulo XVI - Parte I

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Um som sai de seu peito. Não é um rugido ou um rosnado, e sim, algo parecido com um lamento. Melancólico e angustiante. De repente o lobo não parece mais tão assustador. Olhos em Brasa não me parece mais o pior de todos os pesadelos. Eu não tenho mais medo dele. Eu não tenho medo de... Benjamin.

─ Ben, é você? – Eu ouso perguntar novamente, encarando os olhos tão verdes, e agora frágeis, do animal.

E então, depois de outro som choramingado se soltar de seu peito, ele se afasta. Sai de cima de mim e põe alguns metros de distância entre nós. Sua cabeça se abaixa em direção ao peito, como se fizesse uma reverência a mim. Não é o mesmo lobo de segundos atrás. Não tem mais o porte intimidante e amedrontador. Não tem mais as presas a mostra como se eu fosse sua caça, e estivesse prestes a ser devorada. Agora parece quase... Acanhado.

Eu me levanto devagar, com receio de assustá-lo. Encaro-o de volta e corajosamente, dou um passo sua direção.

O lobo permanece com seus olhos seguindo cada movimento meu, mas não se move. Dou outro, mas dessa vez, posso sentir quando sua postura fica tensa e os caninos voltam a aparecer ligeiramente, seguido de um rosnado baixo e gutural. Encolho-me um pouco, mas não me deixo intimidar.

─ Eu não vou machucá-lo. – Sussurro. Lentamente levanto uma das mãos em sua direção, prestando atenção em sua reação. Dou outro passo, ficando quase a centímetros de tocá-lo. – Está tudo bem.

Fico parada no lugar que estou. Quero que ele complete a distância. Falta tão pouco... Posso sentir o calor de sua respiração na ponta de meus dedos. Quero senti-lo com minhas próprias mãos, quero saber se é real. Quero que seja Benjamin, eu completo mentalmente. Fixo meus olhos aos seus, o verde se fundindo ao azul, e esse gesto se tornando tão habitual...

─ Venha. – Sussurro novamente, encorajando-o.

E como se atendesse a meu pedido, levanta o focinho em direção a minha mão, cheirando, passa a língua por ele e depois muito devagar, inclina a cabeça a ela, se aproximando cada vez mais de mim. A ponta de seu pelo quase fazendo cócegas em minha palma, mas, o que acontece no segundo seguinte, é como um abrir e fechar de olhos.

Antes que o mísero espaço entre nós seja completado, o lobo a minha frente é jogado a uma distância inacreditavelmente longa por outro lobo, maior e mais forte. Este possui o pelo tão negro quanto à noite, tornando possível sua distinção das sombras somente por seus olhos, que ao contrário dos de Ben, são tão vermelhos quanto sangue.

O corpo de Benjamin bate em uma árvore e agora se encontra se contorcendo no chão, enquanto alguns guinchados saem de seu peito. Porém, logo se recupera do baque e se levanta em um salto, imitando a postura do oponente.

O Lobo Negro se encontra alguns poucos metros dele, com as patas traseiras flexionadas, o corpo tenso, a mandíbula aberta, rosnando e intimidando. Percebo que os olhos de Benjamin retornam a brilhar em brasa.

Eu estou entorpecida. Letárgica no tempo. É como se a cena à minha frente me hipnotizasse de tal forma, que meus membros não respondessem mais a meus comandos.

Os lobos se estranham, nunca deixando um os olhos do outro, enquanto sondam-se, marchando com o corpo de lado. E então, a única coisa que posso registrar são duas massas de corpos se chocando uma com a outra, arranhando, mordendo, ferindo e golpeando.

O tempo todo, minha mente grita "corra", mas todo o restante do meu sistema implora por ficar. Porém, em prol do "corra", eu ouço algo que me tira de meu estado de torpor. A mesma voz. A mesma voz que me trouxera até aquele espetáculo, por algum motivo, agora gargalha. Eu não posso estar ouvindo direito. Não posso estar certa. É quase como se... A voz estivesse sendo projetada dentro de minha cabeça.

O fato é que isso é como uma alavanca. Antes que possa perceber, já estou abandonando a luta entre os lobos e corro em direção a casa. Não é uma tarefa muito fácil; minhas pernas parecem gelatina e os galhos das árvores batem em meu rosto e braços. Contudo, logo eu me vejo subindo os primeiros degraus da varanda e, a seguir, me trancando dentro de casa.

Eu arfo com muita dificuldade e meu coração parece prestes a sair do meu peito. A realidade a minha volta, os móveis e as paredes, parecem não estarem parados no mesmo lugar. Tudo parece em um fluxo constante de movimento. Eu conheço essas sensações; a irrealidade, a falta de ar, as palpitações, o formigamento nos músculos e o pior de tudo; o medo de perder o controle. Medo de estar ficando louca.

É uma das crises de pânico. Uma pane no sistema. Um curto-circuito. Mas já é tarde demais para tentar algum exercício medíocre de respiração e relaxamento ou para "tentar me conter". Quem iria relaxar tendo dois lobos à solta no seu quintal?

E, então, tudo que me lembro é de apagar antes de chegar ao chão, tendo uma mera consciência de escutar algo parecido com um uivo.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora