─ Alguns dias depois que Thomas fugiu, ele voltou a nossa pequena aldeia devastada para procurar por nós. - Célia continua a história, enxugando os olhos com as costas das mãos, tomando cuidado para não borrar sua maquiagem. - E você sabe, ele era um excelente rastreador, então não foi tão difícil nos encontrar. Estávamos escondidos em uma caverna perto de um rio, com frio, medo e sem esperança alguma. Até que ele apareceu, dizendo ter encontrado a solução perfeita. E é claro, quando você não tem nada a que se agarrar, alguém que aparece dizendo que tudo vai voltar a ser como era antes, é quase um deus.
"Mas eu disse a ele que não precisava mentir para mim. Só porque estava longe, não significava que não estava a par de suas malditas escolhas. E pela primeira vez na vida, ele me deixou entrar em seus pensamentos. Mostrou-me essa memória. E somente essa, é claro. Nunca entendi direito como Thomas conseguia privar qualquer conservador de suas memórias. Quando você se conecta com uma dimensão, é quase impossível não ter acesso a outras. Mas com meu irmão era diferente.
Célia se levanta do sofá e começa a circular a casa a esmo, parando depois em frente a uma janela, fixando os olhos em uma distância qualquer. Parece perdida momentaneamente no que conta.
─ Quem estava escondida com você na caverna? - Eu tento trazê-la de volta ao presente. Sei que Isla Ross estava com ela. Eu vi isso na lembrança.
Ela não se incomoda em retornar os olhos para os meus.
─ Ninguém importante. - Diz. - Mas o fato é que nosso grupo ficou dividido.
─ Como assim? - Indago.
─ Quando Thomas nos contou seu plano, três de nós se opuseram, e seguiram um caminho diferente do nosso. - Conta. - Os outros três, incluindo eu, ajudaria Thomas com esse plano insano de vingança.
─ Quem eram eles? - Pergunto. - Os que se opuseram?
─ Ninguém importante. - Diz. E depois um esboço de um sorriso passa muito rapidamente por seus lábios. - A não ser que considere Isla Ross e sua prole algo importante.
O que?
─ Como pôde deixá-los ir? - As palavras escapam da minha boca sem que eu perceba.
Eu penso em Jesse e Benjamin, dois filhotinhos sujos, com fome e medo, caminhando floresta adentro, podendo topar ao acaso com mais algum caçador.
E então uma raiva súbita toma conta de Célia. Seu rosto fica vermelho, e ela abre e fecha a boca duas vezes, indignada quando olha para mim.
─ Como pude deixá-los ir? - Ela repete. A voz fria e cáustica. - Isso nunca se tratou sobre eles! Porque não iriam querer fugir de um destino que meu irmão estava nos impondo? Eles tinham uma escolha, e sabiamente optaram por ela. Acha que eu não desejava mais do que tudo ter ido com eles?
─ E porque não foi se está tão arrependida? - Rebato.
─ Porque alguém tinha de fazer o trabalho bruto. - Sua resposta me cala. Eu espero ela prosseguir, quando volta seu olhar novamente para o ponto além da janela. - Aquelas pessoas que estavam no bar no Missouri já tinha visto o rosto de Thomas. Se alguém não fizesse com que aquela imagem sumisse de suas cabeças rapidamente, nossa lista de problemas ficaria cada vez maior.
─ E aí você apagou a mente delas. - Concluo. Ela assente. - E qual era o plano?
─ O plano? - Por algum motivo ela ri. - O plano era simples: chegar até Russel através de Anna, conquistar sua confiança e depois tirar tudo dele.
─ Parece fácil pelo modo como você fala. - Comento. Mas não deixo de notar que no meio de tudo isso, Anna era apenas um meio para chegar a um fim. Uma moeda de troca.
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Entre Lobos & Flores - Livro 1
WerewolfLivro 1 Alguns dizem que o passado é como uma porta fechada, cuja chave foi jogada fora. Dizem que depende de você, em algum momento da vida, olhar pelo buraco da fechadura ou não. Mas, e se a porta sempre esteve aberta? E se o passado sempre estev...