Capítulo XXX - Parte I

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Há correria pela casa.

Passos aqui e ali, subindo e descendo as escadas, ecoando pelo piso de madeira velha e que range sob o menor dos ímpetos.

Estamos nos mudando de novo. Mas não faz nem uma semana que estamos morando nesta casa. E eu gosto daqui. Tem borboletas. Faz-me lembrar das que eu caçava com Benjamin.

Eu sinto falta dele.

Papai já está no carro, e mamãe está arrumando as coisas. Guardando roupas em mochilas, e enchendo outras com a pouca comida dos armários.

Seu rosto está molhado; pequenas gotas transparentes deixam um rastro brilhante quando escorrem por suas bochechas. Acho que ela está chorando. Seu rosto parece triste e zangado sob a luz das velas.

Mas ela não diz nada.

Nem uma palavra.

Apenas embrulha e empacota e guarda e de vez em quando me lança um olhar estranho, como uma careta. Como se fosse brigar comigo por ter feito algo errado. Como faz quando deixo os brinquedos espalhados no chão ou quando saio para brincar na floresta.

Sua barriga está muito grande e pesada. Minha irmãzinha já está perto de chegar. E mamãe sente dores às vezes e chora também. Talvez seja por isso que esteja chorando agora.

Papai também parece zangado.

E quando ele está zangado seus olhos mudam de cor.

Eles ficam cor de fogo. Muito brilhantes. Muito coloridos.

Ou ele vira um lobo.

"Madeline, vista isso!" Mamãe me ajuda a enfiar os braços por um casaco grande e preto. Acho que é de papai. Tem um cheiro engraçado. Não é o cheiro dele. Acho que é Vi-vi-burlo. Virbulo. Viburno!

Flor de Viburno. Papai sempre me leva para colhê-las com ele. Diz que são boas para despistar cheiros. Mas porque tenho de despistar meu cheiro? Eles não gostam de como eu cheiro?

De repente mamãe fica imóvel, paralisada. Suas mãos param de ajeitar o casaco, mas continuam tremendo, e por um instante não consigo sentir sua respiração agitando alguns fios do meu cabelo. Seus olhos ficam completamente negros e voltam ao normal como em um passe de mágica.

"Merda!" Ela exclama quando encara meus olhos por algum tempo. Eu nunca a ouvi falar um palavrão. Ela nunca xinga. Só papai. Ela não gosta dessas palavras feias. "Thomas! Thomas, venha aqui!"

"Madeline, quero que me escute com atenção!" Ela fala, pegando nas lapelas do casaco com força, me puxando em direção a ela. Ela está chorando mais agora. Sua voz está tremendo. "Eu preciso que faça uma coisa para mim, tudo bem?"

Eu balanço a cabeça para ela. Não consigo falar. Eu estou com medo. Como sempre fico quando nos mudamos. Mas dessa vez é diferente. Mamãe parece muito nervosa. Mais nervosa ainda do que quando papai chega machucado em casa.

"Ótimo!" Ela tenta sorrir para mim, mas posso ver que faz muita força para isso. "Droga, Thomas, venha logo aqui!" Ela grita por papai de novo. "Me dê sua mão" Me pede.

Eu estendo a mão a ela, que a agarra e coloca sobre sua barriga. Posso sentir Scarlett dando cambalhotas lá dentro. Ela se mexe muito.

"Você se lembra do que apelidou sua irmãzinha?" Indaga.

"Sky" Falo.

"Isso, Sky! E você se lembra do porque ter escolhido esse apelido?"

"Porque eu gostava de ver as estrelas com Benjamin à noite no campo de flores. 'Sky' me faz lembrar disso" Respondo.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora