Capítulo 1

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Dias Atuais

–Estique o braço. Anastasia, você devia parecer um cisne, mas está parecendo um pato. Comece de novo. – A música parou de repente e houve um gemido coletivo, embora discreto, dos outros dançarinos. O calor subiu para o rosto de Ana quando ela notou as expressões de desdém lançadas em sua direção. Ser a garota nova no Balé de Nova Orleans estava sendo tudo o que ela temera. Ainda pior.

– Ok, Madame Fournier. – Ana voltou à sua marca, posicionando o corpo enquanto a música recomeçava. Sou um cisne. Sou um cisne, ela repetia em silêncio.

O problema era que, apesar de mentalizar um braço graciosamente esticado, Ana se sentia um pato. E ainda por cima fora d'água.

Quando o ensaio terminou e os demais dançarinos começaram a juntar seus pertences, Ana caminhou até sua bolsa de lona, colocando o pé sobre o banco para desamarrar as fitas de seda das sapatilhas de ponta.

– Uma garota que conheço frequentou a Goddard School com ela – cochichou Belinda Baker atrás de Ana, obviamente se referindo a ela. – Ela era bolsista do Dance For Life, do contrário, jamais teria entrado. – Ana atirou a bolsa de lona sobre o ombro e lançou um olhar para Belinda, que sem dúvida não percebera que o alvo da fofoca estava ali e arregalou os olhos de surpresa quando seus olhares se encontraram. Ana se virou e deixou o teatro depressa.

O que Belinda dissera era verdade: o pai de Ana havia feito muitos sacrifícios para que ela seguisse o sonho de ser bailarina profissional. Mesmo assim, ele jamais teria conseguido pagar aquela escola sem ajuda. Ana tinha orgulho daquela bolsa e não deixaria que umas fofoqueiras a fizessem se sentir de outro modo.

Ainda assim, pensar no pai fazia aquela dor familiar encher o seu peito, e Ana tinha que se esforçar para não cair no choro. Sua recente mudança para Nova Orleans tinha sido difícil, e o fato de a sua recepção na companhia de dança não ter sido tão... acolhedora só piorava tudo, e a melancolia parecia ser sua fiel companheira.

Ela avistou o ônibus dobrando a esquina e apertou o passo a fim de chegar a tempo na parada, no quarteirão seguinte, ao mesmo tempo que procurava atabalhoadamente o celular.

– Obrigada – disse ofegante enquanto usava o bilhete eletrônico no telefone, e o motorista lhe deu um caloroso sorriso de boas-vindas. Ela retribuiu o sorriso, feliz por sentir o que parecia ser um raio de sol em um dia nublado.

Trinta minutos depois, desceu do ônibus com ar-condicionado e o calor a atingiu, causando um choque térmico. Se Ana estivesse num livro, o calor do verão de Nova Orleans seria um personagem. Um sujeito grande e corpulento com olhos cansados e hálito quente. Intenso e extenuante.

Uma mecha de cabelos castanhos se soltou de seu coque e Ana a enfiou atrás da orelha, enquanto o cheiro de algo temperado e apetitoso chegava ao seu nariz, vindo da casa da esquina e a distraindo do clima abafado e úmido. Comida reconfortante. O que havia de especial em quase todos os pratos da Louisiana provados por ela que pareciam agradar não apenas ao paladar, mas também à alma?

O som suave e lamuriante de um saxofone escapava por uma janela aberta em algum lugar ali perto, serpenteava por entre os galhos das árvores e parecia penetrar na pele de Ana.

Existe algo mais solitário do que o som de um único instrumento ao longe trazido pelo vento?, ela se perguntou.

Mas então outro som se uniu à melodia solitária: uma voz doce e bela acompanhava as notas, ziguezagueando, tornando-se mais alta e nítida. A música – ao mesmo tempo distante e próxima e de algum modo soando como um dueto ininterrupto – inundou Ana, deixando sua pele elétrica e seu coração mais leve. Ela conhecia aquela voz. Soava como cigarro misturado com melado e frequentemente entoava hinos na rua em que Ana morava.

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